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A oralidade ficcionista de Eduardo Olímpio

A 'escrita' de Eduardo Olímpio, na poesia e mesmo na prosa, como no caso deste seu último livro de histórias ou ficções, tem-se afirmado quase sempre como uma atitude de ironia, protesto e revolta por parte de quem deliberadamente se colocou à margem de grupos literários. Na verdade, a vocação poética do autor de António dos Olhos Tristes (1975) delimita-se nos valores próprios do seu mundo de origem, um Alentejo permanentemente enaltecido e reinventado, mesmo que viva em Lisboa há muitos anos, na sua constante preocupação de pela memória alentejana nunca por nunca trocar os valores de infância pelos conflitos ou descoberta da grande cidade ('Aquele mundo ficou-me colado à pele e ainda hoje ando aos pontapés às pedras da Avenida da Liberdade. Ainda não me habituei à cidade, apesar de estar há quarenta anos em Lisboa. Guardei, inteirinha, a minha infância alentejana'.)

Mas a pessoal 'aventura' de Eduardo Olímpio por vários caminhos e ofícios conhecidos decifra-se na prosa e no sentido marcadamente sarcástico ou por um inteligente 'non-sense' que não se mostra rebuscado e antes se determina nos valores da própria linguagem. E assim as suas breves histórias, cheias de um sentido poético tantas vezes cândido e lírico, afirma uma clara posição literária por saber reinventar o verdadeiro sentido da vida e desejar falar comovidamente das gentes que ficaram nesse Alentejo nunca esquecido e ainda se revelam como idêntica memória de antigas 'histórias fabulosas contadas pelos avós, à lareira, nas longas noites de inverno'.

Mas, nesse acto de saber misturar as águas e os tempos, as sombras e os lugares que se cruzam pelos destinos da própria vida, Eduardo Olímpio sincera e emocionalmente uma vez mais nos fala nas páginas destes contos das pessoas que andam a seu lado, frequentam os mesmos lugares, viajam nos mesmos transportes, moram nos mesmos prédios, enfim, passam a vida como a vida consente, nas alegrias e tristezas, nas astúcias ou cobardias, nos medos e até em certos e calados actos de coragem. Porém, nesse sentido claramente satírico de encarar as coisas simples de vidas sem histórias, Eduardo Olímpio exprime um natural testemunho de fixar a vida na mais exacta verosimilhança, sem utilizar grandes artifícios literários, e assim se mostra diante do leitor com tal força expressiva e uma verdade narrativa que de imediato se pode pensar que tudo o que nos conta, mesmo que percorra ainda o imaginário do Alentejo ou determine cenas do quotidiano na grande cidade, nada parece ser 'reinventado' ou filtrado pela evidente oralidade da sua prosa ficcional, porque nessas histórias tudo se arvora como imagens retiradas da vida e da própria experiência, como se as cenas de um 'filme' se projectassem diante dos nossos olhos (por exemplo, como acontece, na sarcástica história 'A Outra Guerra Mundial').

Por outro lado, o sentido 'mágico' dessa escrita no desejo de reabilitar os lugares de infância nos campos do Alentejo ou desejar falar de qualquer 'aventura' numa cidade grande como é Lisboa, capital do reino e já o foi do império, na propositada interligação dos vários planos narrativos, servida por um sentido literário insistentemente irónico, com algumas referências culturais que entram a tempo, leva-nos a entender os próprios cenários em que tudo se passa, como se as personagens entrassem e saíssem de cena, dessem o seu recado, e alegre ou tristemente abandonassem de seguida o palco da vida. Desse modo, pois, todas as falas, gestos e atitudes se apresentam a nossos olhos como histórias e quadros de um tempo sempre vivido, experimentado e observado a olho nu nas mais pequenas safadezas e intrigas do quotidiano, para construir um fresco narrativo através de uma linguagem directa e subtil, cativante e enleante, cujas histórias, pela sua extrema brevidade ou contenção descritiva, se lêem com entusiasmo. E assim Eduardo Olímpio uma vez mais nos faz compreender esse espírito memorialista de reviver o passado pelas ruas e cafés de Lisboa ou ainda pelas inalteráveis paragens de um Alentejo que mora longe e se redescobre como matéria ficcionista dos seus contos.

Por isso, bem se justificam estas palavras de Romeu Correia, seu bom amigo de muitas conversas soltas, no texto que serve de introdução aeste livro: 'As suas histórias trazem o sabor da tradição oral, de tudo o que nasce naturalmente, simples e puro, alheio a qualquer elaboração medida

e estudada. Na prosa de Eduardo Olímpio (que vez alguma deixa de ser poesia) palpita, ao mesmo tempo, um humor sadio e sabiamente popular - qualidades que raramente se vislumbram entre nós. O Alentejo tem neste seu prosador um dos mais genuínos e autênticos contadores de histórias'.

Portanto, na capacidade literária de dominar bem a matéria da própria escrita e na simplicidade formal como sabe urdir as suas histórias, dentro da sua posição assumida de 'franco-atirador' ou 'marginal', Eduardo Olímpio oferece-nos uma visão clara, objectiva e irónica da vida, na limpidez de uma linguagem e oralidade que nitidamente define a sua prosa de ficção por entre os lugares de memória alentejana que permanecem.

 

Serafim Ferreira


  
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Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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