Revisitar a nossa História tem sido desde há anos a atitude pessoal de António Borges Coelho que, através de um inconfundível estilo literário, sabe olhar o passado e melhor compreender o presente: conhecer os homens, os factos e as fontes históricas mais exactas, decifrá-las à luz de outros valores, questionar os seus próprios modos de viver e de estar no mundo, saber dos vários destinos e profissões, inventariar dízimas e conhecer os rendimentos e colectas pagas, saber quem foram os reis, cronistas, mercadores, judeus e fidalgos que mais se interessaram pelos negócios e destinos do reino, enfim, percorrer todos os lugares de martírio e sacrifício na encruzilhada de destinos pessoais hoje de alguma forma esquecidos, numa época em que Portugal iniciava a sua "aventura" histórica como país independente, como acontece nalguns dos textos que constituem este terceiro volume da série "Questionar a História", com o título de O Tempo e os Homens. Falando dos senhores da primeira dinastia e dos conflitos vividos por D.Afonso II e Sancho II, por D.Dinis e D.Afonso IV, evocando as guerras com Castela ou retomando um dos temas predilectos da sua paixão pela História, como é a Revolução de 1383, incidindo ainda no estudo crítico e biográfico dos cronistas Rui de Pina ou Garcia de Resende ou retomando ainda a "aventura" de João de Barros - tudo isso faz com que o autor de Comunas ou Concelhos avance uma vez mais nesse sentido de proclamar que não se trata de encarar a História como um fim, mas pelo seu renovado entusiasmo no estudo de certos marcos fundamentais da nossa caminhada colectiva como povo peninsular, Borges Coelho prossegue no entendimento correcto de reviver um Portugal medieval e quinhentista, de que noutros seus trabalhos deu já sobejas provas de rigor crítico e interpretativo, manipulando os "materiais" históricos como a forma de reescrever no seu próprio tempo um outro passado que faz o leitor viajar por muitos lugares e conhecer gentes que parecem estar ainda a nosso lado, ao mesmo tempo que prossegue no trabalho de desvendar outras pistas de inquirição histórica, sem deixar de ter em conta um necessário enquadramento literário e poético, humano e social, sempre na perspectiva renovadora de compreender e fazer comprender os aspectos mais marcantes da História portuguesa. Por isso, revisitar esse passado, em viagem que se alonga e demora por séculos que foram da nossa significativa afirmação histórica e cultural, na lembrança de obras e de homens cujo espírito algumas vezes se colocou na cumeada europeia dos valores ideológicos e sociais que então se defendiam nesses séculos da grande diáspora portuguesa - eis a tarefa prosseguida por António Borges Coelho com a habitual versatilidade de saber manejar a História e desvendar ou descobrir no tempo e através dos homens algumas razões de entendimento ou de decifração desse passado que se projecta no presente assim revivido, consentindo que melhor se entendam as coordenadas essenciais de um tempo florescente e enriquecedor da nossa História em diferentes planos. Mas o que uma vez mais importa sublinhar, na sua forma pessoal de reescrever a História, com a paixão e entusiasmo como assim analisa ou tudo reformula dentro de outra visão interpretativa alguns dos problemas maiores da nossa identidade como povo, podemos realmente dizer que o que mais se impõe é esse modo próprio de questionar a História, sem nos fazer esquecer que, a par dessa condição de acutilante e minucioso investigador, António Borges Coelho, como devemos lembrar, é também um poeta e dramaturgo de qualidade. Por isso, fazer esta viagem histórica em tão boa companhia, de forma tão documentada e esclarecida, é o modo exacto de entender (ainda) o sentido do nosso próprio quotidiano. Ontem e hoje, claro. António Borges Coelho O TEMPO E OS HOMENS Ed. Caminho / Lisboa, 1996. Serafim Ferreira
|