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Timor Loro Sae: um ano lectivo num mar de dificuldades

Quase dois meses após o início oficial do ano lectivo, em Outubro, cerca de 80% das escolas de Timor Loro Sae funcionavam em péssimas condições a nível de infraestruturas, e a maioria continuavam sem mobiliário e outro equipamento; por outro lado, e apesar de parte dos livros escolares já terem chegado, em particular os que foram enviados de Portugal, a maioria foi editada na Indonésia e continuava ainda a caminho do território; e como se isto não bastasse, há rumores de falta de transparência, e mesmo corrupção, na contratação de professores timorenses (acusação a ser investigada).
Está assim traçado o quadro negro de uma situação que continua a afectar grande parte dos mais de 300 mil alunos inscritos neste ano lectivo, considerado pelos timorenses e pela administração das Nações Unidas (ONU) como "o ano educativo da transição".
Questionada pela agência Lusa sobre quantas escolas estão a funcionar, a porta-voz da ONU, Bárbara Reis, aludiu a cerca de 300, apesar de não poder avançar outros dados mais específicos sobre a situação educativa. Mas mesmo que todas essas escolas estivessem, de facto, a funcionar em pleno - o que, segundo outras fontes, parece pouco provável -, esse número corresponde a menos de um terço das cerca de 900 escolas primárias, pré-secundárias e secundárias do território.
É claramente no sector das infraestruturas que os maiores problemas continuam a fazer-se sentir. Enquanto as escolas da rede da igreja católica conseguiram recuperar facilmente - especialmente porque algumas não foram destruídas ou saqueadas -, a rede pública continua em muito mau estado: um grande número não têm telhado, portas, janelas ou mobiliário; em muitas delas continuam a faltar os quadros pretos, e muitos dos alunos estão sem qualquer material de trabalho.
O Programa de Revitalização do Sistema Escolar timorense, que está a ser financiado pelo fundo administrado pelo Banco Mundial, previa que no início do próximo ano estariam a funcionar no território mais de 2.100 escolas. Só que o acordo final para a implementação do projecto só foi assinado em Junho, tendo a fase de adjudicação das obras acabado pouco antes do início do ano lectivo. Assim, e apesar de terem sido reservados 14 milhões de dólares para aplicação nesta primeira fase da reconstrução das escolas, muitas delas continuam sem um nível operacional básico.
Na prática, o problema acaba por traduzir um conjunto de dificuldades inerentes a toda a recuperação de Timor Loro Sae, centrando-se acima de tudo no balanço entre a rapidez e a sustentabilidade. O caso da educação atesta, por um lado, a necessidade de garantir que as políticas adoptadas nesta fase são compatíveis com os limites orçamentais que existirão no período da independência e que, ao mesmo tempo, conseguem ter um impacto o mais alargado possível.
Segundo Natasha Meden, os atrasos devem-se, em grande parte, à necessidade de conciliar "tudo o que há para fazer" no território, tentando garantir que a recuperação das infraestruturas acaba por ter efeitos positivos na economia nacional. Nesta perspectiva, foi decidido que quase todo o mobiliário para o sistema escolar timorense seria fabricado em madeira por artesãos locais, e não em plástico importado dos países vizinhos. "Em vez da rapidez da importação de centenas de milhares de cadeiras em plástico, contribui-se, assim, para a economia nacional", disse a porta-voz do Banco Mundial, salientando que a maior parte dos contratos de reconstrução das escolas foram atribuídos a empresas timorenses.
Apesar de mais vagarosas, estas decisões tornam-se mais amplamente favoráveis, como se notou no caso do mobiliário, em que uma organização não-governamental internacional apoiou uma comunidade timorense na zona de Suai na construção de uma carpintaria que, posteriormente, conseguiu contratos para fabrico de mobiliário.
Entretanto, e apesar das dificuldades inerentes às condições de vida - em especial nos locais mais remotos do território -, um dos maiores sucessos nesta fase consistiu na colocação de cerca de 130 professores portugueses em escolas pré-secundárias e secundárias. Para além das funções directamente inerentes à sua responsabilidade, os professores acabaram por se constituir em pequenos centros dinamizadores do Português, participando também no complicado processo de fomentar a utilização da que o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) pretende seja a futura língua oficial. Após os pequenos cursos que marcaram o início do apoio educativo de Portugal, o objectivo é, agora, continuar a fomentar o efeito multiplicador e de cascata, formando professores, formadores, educadores e outros profissionais.
Igualmente positivo tem sido o grande empenho manifestado pelos professores timorenses, que, apesar das dificuldades, desde logo se mostraram muito interessados em começar a leccionar, ainda que o façam para grupos de alunos sentados no chão, numa escola onde tudo falta. "Mesmo nessas más condições, os professores timorenses querem começar actividades para os alunos e por isso merecem muito respeito e muitos elogios", refere a adida para a educação da Missão Portuguesa, Maria José Carrilho.

... e os olhos não ajudam

A Missão Portuguesa está, entretanto, a promover o maior programa de sempre de rastreio à visão, tentando avaliar a condição visual de mais de 7.600 professores timorenses espalhados pelos 13 distritos do território.
A iniciativa visa combater um problema detectado há vários meses e que parece afectar mais de metade dos professores timorenses, muitos deles incapazes de ler um texto em condições normais, devido a problemas de visão - "vimos logo no primeiro curso, em Fevereiro e Março, que havia alguns professores que para lerem os livros os tinham que colocar quase colados à cara. Foi assim possível constatar que havia uma elevada taxa de incidência de problemas de visão", refere o adido para Cooperação, António Peres Metello.
O adido para os Assuntos Sociais, Rui Fonseca, explica, por seu turno, que na maior parte dos casos os problemas são "olhos cansados", dada a idade de muitos dos professores, sendo por isso de fácil resolução. Envolvendo não apenas técnicos de saúde, mas também os professores portugueses, o programa de rastreio prevê a realização de exames de oftalmologia, a distribuição de óculos e mesmo cirurgias que, eventualmente, se revelem necessárias para os casos mais graves.


  
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Edição:

e
Ano 9, Dezembro 2000

Autoria:

Redacção

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