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Comunidade Científica Abre o "Livro da Vida"

26 de Junho de 2000. Esta data ficará registada nos anais da ciência como o dia da apresentação oficial do "livro da vida", ou seja, do primeiro esboço do genoma humano. No entanto, e embora se trate de uma conquista considerada histórica, o significado do que os cientistas registaram e ordenaram ? a sequência dos cerca de 100 mil genes humanos e dos mais de três milhões de bases químicas que os constituem ? continua, em grande medida, por apurar.
O anúncio dos resultados do processo de sequenciação do genoma humano foi feito na Casa Branca (Washington). Na ocasião, os responsáveis máximos dos organismos público e privado envolvidos no processo ? Francis Collins, do consórcio público Projecto do Genoma Humano, que, sob a égide dos Estados Unidos da América, envolve centros de investigação universitários de 18 países, e Craig Venter, da Celera Genomics ? comprometeram-se a partilhar os resultados alcançados com a comunidade científica internacional, assegurando que toda a informação relativa ao genoma é património da humanidade.
Como explica o presidente da Sociedade Portuguesa de Genética (SPG), citado pela Agência Lusa, a sequenciação do genoma humano assemelha-se à "apresentação das letras soltas de um texto", sendo "necessário compreender o significado de cada palavra desse texto". Assim, a missão dos investigadores consiste, a partir de agora, em identificar cada um dos genes: qual a sua função, que proteína codifica, como se combina com outros, e, em caso de mutação, a que doenças se associa. "É impossível determinar quanto tempo vai demorar todo este trabalho, sendo certo que se avançará muito mais depressa em alguns campos do que noutros", considera José Rueff, avançando já com uma segunda etapa para o conhecimento do "mapa da vida" ? o estudo das variantes dos genes. De facto, segundo o presidente da SPG, "calcula-se que cada gene possa ter, em média, 10 variantes".
Ora, é precisamente através do conhecimento das variações genéticas que se poderá avançar no campo da prevenção e, futuramente, da cura de algumas doenças crónico-degenerativas que afectam uma parte importante da população mundial. "Dentro de uma década", estima José Rueff, "é possível que comecem a surgir medicamentos específicos, ou seja, que tenham em conta as variantes genéticas dos indivíduos", o que deverá permitir aumentar a eficácia dos fármacos e diminuir a sua toxicidade.
Em todo o caso, não se trata, ainda, de falar em terapia genética, mas de aproveitar o maior conhecimento dos genes e das suas variações para produzir programas de prevenção mais orientados. No campo específico de doenças crónico-degenerativas como o cancro ou a hipertensão ? que afectam, respectivamente, 30 e 10 por cento da população mundial ?, a próxima década deverá ser também fulcral. "Se, por exemplo, pudermos identificar um conjunto de características genéticas num indivíduo que indique uma grande probabilidade de vir a contrair cancro, pode apostar-se muito mais fortemente na sua prevenção".
Neste campo, a importância da sequenciação do genoma consiste em dar a conhecer mais genes, e respectivas variantes, que podem estar implicados no aparecimento deste tipo de enfermidades. De acordo com o presidente da SPG, nos próximos dez anos deverá ser possível conhecer o genótipo ? constituição hereditária de um organismo, formada por todos os genes existentes nas suas células ? de risco para algumas doenças: "É como se tivesse a possibilidade de fazer um pré-diagnóstico, conhecendo 20 anos antes o risco que tem de contrair determinada doença".
Quanto a outras possibilidades que os avanços na investigação genética levantam ? como a hipótese de os pais determinarem, antes do nascimento, as características genéticas dos filhos ?, José Rueff sublinha que apenas 50 por cento das propriedades qualitativas dos indivíduos (como a inteligência) estão inscritas no genoma. "Estou convencido de que a lógica da humanidade vai ser investir nos restantes 50 por cento, ou seja, nos factores ambientais: educação, família, trabalho".


  
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Edição:

N.º 93
Ano 9, Julho 2000

Autoria:

Redacção

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