Página  >  Edições  >  N.º 90  >  Internet vence televisão?

Internet vence televisão?

São poucos os minutos que são precisos para pôr on-line os pormenores de qualquer facto noticioso, depois de ele ter acontecido. Os responsáveis pelos principais serviços informativos que têm na Internet o seu canal de circulação estão orgulhosos. Chamam a este fenómeno uma nova era da comunicação. Falam de uma nova cultura de jornalismo. Dizem que o jornalista, como o víamos até agora, já não faz sentido. Argumentam que a televisão está a perder terreno para os computadores. O chavão que serve de suporte a esta nova onda é elucidativo: "A guerra do Golfo foi uma guerra da televisão; a guerra do Kosovo foi uma guerra da Internet".

A discussão em torno destes tópicos foi uma das mais interessantes que se gerou na conferência sobre Notícias Internacionais no Século XXI organizada recentemente pelo Centro de Investigação em Comunicação de Massas da Universidade de Leicester, Reino Unido. Eis aquelas que eu considero ser as principais afirmações de cada um dos participantes no painel sobre o impacto das novas tecnologias. Bob Eggington, da BBC News Web Site: "A Internet está a tornar-se uma fonte primária de informação". Paul Mylrea, da AlertNet (Reuters): "Os jornalistas estão a tornar-se numa espécie em perigo, por causa da Internet". Paul Eedle, do OutThereNews: "As notícias começam a ser feitas por um exército de repórteres do povo".

O cenário traçado pelos novos profetas da mudança tem tudo a ver com a simplificação de processos que as novas tecnologias estão a permitir. Há uns anos atrás - não muitos - uma equipa de reportagem de televisão era constituída por muita gente. Nos dias de hoje, para as agências noticiosas online, basta enviar uma ou duas pessoas. Muitas das vezes, o jornalista nem vai. Vai uma câmara-man que recolhe imagens, enquanto os produtores, sediados em Londres ou em qualquer outra capital, recolhem testemunhos directos de quem esteve no local e assistiu a tudo. E, cada vez mais, não é preciso procurar essas pessoas. Elas próprias enviam mensagens por correio electrónico e, em poucos minutos, as agências têm a informação. Muitas das vezes, esses testemunhos são re-transmitidos em discurso directo. É o exército de repórteres do povo a funcionar, pondo em causa o trabalho do jornalista. A lógica deste processo é a de que mais vale ter o testemunho directo de dez pessoas do que ter o testemunho indirecto de um jornalista que falou com dez pessoas. Este é o novo conceito de construção de notícias.

Do outro lado estão os receptores das notícias, que usam os serviços informativos online. Porque tudo é muito rápido e extremamente simplificado, os receptores são bombardeados constantemente. A vantagem, dizem os produtores destas novas notícias, é que as pessoas podem escolher o que lhes interessa. Escolhem os seus próprios títulos e fazem o seu próprio jornal. Recebem a mensagem em bruto e digerem-na sem intermediários. Esta ida directa ao assunto, dizem os defensores deste processo, poupa tempo às pessoas. Mas poupará? Não perderão mais tempo à procura do que querem perdidos em quantidades inimagináveis de informação?

Para demonstrar o poder da mudança que se está a efectuar, Bob Eggington apresentou os resultados de um inquérito feito com base numa fórmula antiga. Questionados sobre o que prefeririam levar, entre as três opções dadas, para uma ilha deserta, os inquiridos responderam assim: 54 por cento levava o computador, 36 por cento levava o telefone e 10 por cento levava a televisão. Será isto suficiente para dizer que a televisão está, já, em declínio? Quererá isto dizer que o mundo está colado à Internet?

Embora o ritmo da mudança possa parecer estonteante, as conclusões não podem ser precipitadas. Basta pensar em duas simples coisas: grande parte do mundo ainda só tem um diminuto acesso à Internet; quer se queira quer não, há muita gente que não domina as principais ferramentas deste mundo novo - a língua inglesa e competências de utilização da informática.

Mesmo assim, e concentrando o assunto em que domina as principais línguas usadas na Internet e em quem sabe navegar, há mais problemas que se levantam. Por exemplo, qual é a credibilidade das informações vindas do tal exército de repórteres do povo? Com as novas tecnologias, qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, pode dizer que esteve num local onde não esteve e testemunhar o que não viu. É aqui que entra o papel do jornalista, um profissional em que as pessoas supostamente confiam. Não só para recolher a informação, como também para a seleccionar e interpretar. Tal como a rádio não anulou os jornais, nem a televisão anulou a rádio, a Internet também não vai anular o jornalismo agora visto como tradicional.

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester, Reino Unido


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo