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Um Reencontro de Muitas Cores

Histórias cruzadas de um congresso
onde os votos eram amarelos
e havia sacos vermelhos à venda


Mil professores reunidos durante três dias é coisa. Não se pode ignorar. Não é possível esconder, mesmo numa cidade como a do Porto. O V Congresso dos Professores do Norte encheu o Coliseu e não apenas na noite em que actuou Patxi Andión. Foi um acontecimento cheio de histórias cruzadas.
Contaram uma com piada. Uma que aconteceu a um professor de Lisboa, ou dos Açores, já não sei. Foi a um dos convidados do Congresso. Ao chegar a Campanhã meteu-se num táxi e disse "leve-me ao Coliseu dos Recreios". O motorista respondeu à letra: "não sei se já percebeu que você está no Porto, carago".
O taxista foi porreirinho. Eu no lugar dele metia pela auto-estrada em direcção a Lisboa. Quando o gajo desse por ela perguntava-lhe com muita calma: "o senhor disse Coliseu dos Recreios, não disse"?
Teve pouco eco nos jornais. Disseram-me que passou na Televisão, no primeiro dia. Penso que na RTP. Jornais nada. O Público ignorou totalmente. Deu a notícia do concerto do Patxi, que fazia parte do programa do Congresso, mas nem ao de leve referiu esta ligação. Nem quando se discutiu a entrada para a CGTP apareceu... Se fosse o ZN eram páginas inteiras, como aconteceu ainda há pouco tempo.
O Jornal de Notícias? Esteve lá. Só faltava que o Notícias ignorasse um congresso de professores do Norte, com mais de mil participações no Coliseu do Porto! O JN mandou o Júlio Roldão. Num dos dias almocei com ele, no Tripeiro, e uma colega disse que se lembrava de um outro Congresso, o primeiro, em 85, no Vale Formoso, em que ele também esteve como jornalista. Eu não.
O Paulo fez uma boa intervenção. Denunciou aquela do Guterres dizer aos sindicalistas europeus que a Manuela Teixeira é que representa os professores portugueses. É preciso ter cá uma lata. Também gostei da piada que ele mandou ao ministro: quando era secretário de Estado era uma conversa, agora é outra.
Não ouvi tudo. O texto em discussão estava muito bem elaborado. Se calhar, como diz o Henrique, não teria sido pior apresentar textos menos bem elaborados para obrigar a um debate mais intenso e acalorado. Se queres saber fui à sala duas ou três vezes. E não parei de trabalhar para o congresso.
A gente, a páginas tantas, vai ter que repensar este tipo de iniciativas. Pelo menos para o exterior, isto é, pelo menos para conseguir um niquinho de espaço na comunicação social... Como diz o outro, cada vez mais é preciso que se fale dos professores... Nem que seja a dizer bem. Eu sei que isto é uma chavão, mas apetece dizê-lo.
Se merece a pena montar tenda num congresso, tipo editora, ou banco, eu sei lá. Só sei é que as editoras presentes venderam poucos livros. Perguntei e pronto. Não é, e ponto,é e pronto. Ademas, como diria o Patxi, não era preciso perguntar, bastava olhar... Ninguém compra livros, nem os professores. Não compram porque os têm?! Pois, pois.
Eu ouvi a intervenção do Paulo, li a do Abel, que estava escrita e foi antes. Roubei cópia do texto da intervenção do Abel na sala de Imprensa. Não estava lá ninguém. Ouvi aquele dirigente novinho a cantar os parabéns à Marcela. Setenta anos é a idade da jubilação. Por falar em jubileu. E o "Superior"? Não vi ninguém do Superior. Minto, vi a Isa.
Não perguntes pelo Superior. Reuniu à parte. Num hotel, parece que foi na Batalha. Informalmente. O estatuto não o permite. O estatuto do congresso, não o deles. Mas não perguntes mais nada. Sobre essa matéria só digo uma frase que ouvi a uma miúda gira, por sinal do superior. Deve ser assistente, ou coisa que o valha. Ela disse que no Superior há muito de público em algum privado e algo do privado em muito público. Com uma tirada destas já nem precisa de se incomodar a escrever tese de doutoramento. Por mim está doutorada, com 20. Acertou em cheio.
Sim sim. O Carvalho da Silva está com uma pedalada. Disseram-me que acabou um curso superior, há pouco, e que está a preparar um doutoramento. Sem deixar de ser secretário-geral da CGTP. Estou a vendê-la como a comprei. Não sei se isto é totalmente verdade ou não. Só sei que a intervenção dele foi notável. E de improviso. Eu gosto de o ouvir. Insiste muito na ideia da dignificação do trabalho, do trabalho como base da sociedade do futuro. É uma tema inesperado.
Quem também esteve presente, pela CGTP, foi uma professora, Deolinda, que estará a dar apoio ao gabinete de Imprensa da Central. Era a companheira do Manuel Lopes. Num dos almoços do congresso ela foi ter com um jornalista, que eu não conheço, e ofereçeu-lhe um livro, da Assembleia Municipal de Lisboa, de homenagem ao Manuel Lopes. O Manuel Lopes, que também era autarca, além de dirigente da CGTP, foi, de facto, um homem de causas, de muitas lutas. Quando morreu, era deputado da Assembleia Municipal de Lisboa, eleito como independente indicado pelo PCP. Podes não acreditar, mas o jornalista ficou muito comovido ao receber o livro. Fiquei com a ideia que eram amigos. E até fiquei admirado como é que ainda há jornalistas que são capazes de se comover em público quase até às lágrimas.
É como digo, numa cidade mais pequena ter-se-ia notado mais. Teria sido outra festa. Na primeira noite houve uma espécie de um piano-bar, mas com adufes e gaitas de foles, à Festival Intercéltico, num bar da Ribeira. Passei por lá, mas estava muita gente e aquilo era um bocado apertado. Numa cidade mais pequena ter-se-ia notado mais.
O Patxi veio actuar ao Porto a convite do Sindicato dos Professores do Norte e no âmbito do congresso. Tenho a certeza. O espectáculo foi aberto ao público por razões óbvias. Os congressistas não enchiam o Coliseu e é costume, nestas circunstâncias, partilhar uma iniciativa destas com o público. Pareço um sindicalista, mas não sou. Sou apenas sindicalizado. O espectáculo foi a pagar. Os congressistas pagaram 500 paus, o que é simbólico, e o público, entre 1.500 escudos e dois contos, conforme o lugar. Claro que não pagou o cachet.
Andaram lá duas raparigas e um rapaz, na casa dos 20 anos, a tirar fotografias a torto e a direito. São alunos de fotografia da ESAP. É isso, aquela escola do Largo S. Domingos. Que já foi da Árvore. Foram convidados pelo sindicato (a ideia foi do Zé Paulo) a fazer a cobertura fotográfica do congresso. Com o olhar deles, sem enquadramentos politicamente correctos. Julgo que "a Página" irá aproveitar algumas dessas fotografias. Desses três, do João, da Mariana e da Sara.
Não direi tanto, mas reconheço que a maior fatia das presenças foi para o grupo dos amigos de Alex. Bastava olhar para a sala. O próprio jornal do congresso, três números especiais do SPNInformação, tamanho A4, que o Mário David promoveu, o confirmou: a percentagem de congressistas de idade inferior aos 30 era mínima.
Sim, sim. Reconheço que o protagonismo foi, aparentemente, mais masculino do que feminino, embora as mulheres estivessem em maioria. Estou a ver, num dos almoços, uma mesa só com mulheres. Uma mesa grande. Assim de memória estou a lembrar-me da Isabel Cunha, da Iracema, da Maria Rodrigues... Eram sete ou oito, numa mesa redonda. Alguém passou, homem, e disse "esta é que é a mesa do género".
A actual presidente da Mesa da Assembleia Geral é uma mulher. Já foi lugar ocupado por homens. Por exemplo, pelo Daniel Bessa, o que foi ministro, e pelo Alberto Amaral. Sim, sim, o que foi Reitor da Universidade do Porto. Também pertenceram ao SPN. Se calhar ainda pertencem, isso já não sei.
O que é que fica do Congresso? Muita coisa. Num dos dias vi um puto, filho de uma congressista, ou de uma funcionária, não sei bem, deslumbrar-se com o sistema de controlo das entradas. Em todas as portas havia uma máquina para ler os códigos de barras das identificações dos congressistas. Era possível saber, com rigor, quantos e quais professores estavam na sala. Reparei que durante a intervenção do Carvalho da Silva estavam mais de 200 congressistas fora e mesmo assim a plateia parecia cheia. Para esse puto, que também esteve no congresso, ficará a imagem daquelas máquinas.
Coisas que não tenha gostado? Da cor dos votos. Eram amarelos. O papel, a dizer Delegado, que era preciso erguer quando se votava é que era amarelo. Se calhar foi por isso que eu comprei um saco de pano, vermelho, a dizer V Congresso dos Professores do Norte. Sei lá.


O texto, reescrito por João Rita, é uma colagem de pequenas conversas recolhidas no V Congresso dos Professores do Norte.


  
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Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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