A Elisa é uma das muitas meninas que percorrem as ruas da cidade. Disse-me que só lhe faltam três anos para ter dez. Irmãos e irmãs somam os dedos das duas mãos mais um. Nas ruas a Elisa troca vinte pensos rápidos por cem escudos. Dirige-se a mim num tom lamuriento e imperceptível quando se cruza comigo. Se insisto para que fale ela tenta. Mas tem dificuldade em falar. Foi treinada para lamuriar e não para falar. Num destes dias a Elisa disse-me que não bebeu leite da mãe. Disse-me isto com uns olhos espantosamente espantados. "Não bebi leite da minha mãe, nasci qundo a cadela pariu e não bebi leite da minha mãe". A Elisa frequenta obrigatoriamente a escola. A profressora ? pareceu-me ? suporta obrigatoriamente a Elisa e diz que "a miúda tem um atraso". A professora não sabia que a cadela pariu quando a Elisa nasceu. Ninguém tinha dito nada à professora. Ninguém lhe disse nada. E a professora não pergunta. Não pergunta porque lhe basta «saber» que "a criança tem um atraso e precisa de apoio da educação especial". Mal sai da escola a Elisa percorre a minha cidade. Carrega a sacola escolar que lhe pesa um pouco e carrega uma mágoa imensa por não ter bebido o leite da mãe. Porto, Janeiro, 2000 José Paulo Serralheiro
|