Página  >  Edições  >  N.º 86  >  "Em Defesa do Território"

"Em Defesa do Território"

É curioso constatarmos que, ao longo da evolução, tem permanecido nos seres vivos uma característica base, que se prende com defesa do seu território! No caso específico do homem, foi-se esta defesa ampliando, ao longo dos milénios e hoje a sua abrangência açambarca, em perfeita sintonia com o cérebro trino (triplo) de que fala McLean, três diferentes dimensões, que se interligam e interagem:

1.Uma dimensão com características ainda meramente reptilianas, que está ligada aos nossos actos mais estereotipados, responsável pela manutenção das nossas condições mínimas de vida e sobrevivência e que funciona como o abrigo ou o ponto de maior segurança, a partir do qual, face a possíveis invasores, as nossas respostas continuam a ser altamente defensivas e mesmo agressivas.

2.Uma outra, mais de natureza límbica, que é a responsável pelo prazer, pela dor e pela conservação da própria espécie.

3.E finalmente uma terceira dimensão, surgida gradualmente e de mãos dadas com o desenvolvimento do neo-córtice e que anda ligada ao pensamento racional, à socialização e à própria cultura.

Hoje, o nosso território assemelha-se a uma complexidade de circunferências concêntricas, que vamos traçando do centro para o exterior, nas nossas mais diversas actividades, competências e funções sociais. Só que, paralelamente, vamos sendo empurrados do centro para a periferia, provocando em nós uma perda de unidade interior, que nos poderá arremessar para um sentimento esquecido mas etologicamente latente de nos sentirmos ameaçados...E se não formos capazes dum autocontrolo adequado, caímos mesmo numa paranóia ou megalomania, com consequências adversas para nós e para os nossos invasores (por vezes meramente virtuais).
A gestão complexa de todo este esquema territorial é o preço elevado, que temos de suportar em consequência do desenvolvimento cada vez maior da nossa mente. Daí que os "deficientes mentais", sejam neste aspecto talvez uns felizardos, já que sendo o seu território mais exíguo, não sentem a necessidade de se deslocarem do centro para a periferia. Já os orgulhosos da "normalidade" ou mesmo "sobrenormalidade", senão souberem gerir este esquema territorial, correm sérios riscos de perturbações de personalidade e de desajustamentos sociais (socioses). Assim, urge bem gerir esta «ordem de dominância», expressa por Bracinha Vieira buscando a estabilidade, ainda que à custa do refreio de comportamentos agonísticos, que se podem (devem) reservar para oportunos momentos de desequilíbrio...
Ao longo da carreira de professor/educador, há por vezes oportunidade ou mesmo apetência de ocupar determinados territórios, que em seguida se tentam dominar ou mesmo demarcar! Para não se ser centrifugado, deve-se saber optar pela parcela de território, que mais se adapte à especificidade de cada um, o que garantirá uma maior resistência e satisfação interior. E são duas as principais parcelas deste imenso território que se colocam ao professor/educador: uma de carácter meramente administrativo, onde rapidamente se sobe, depressa se é obedecido e até com frequência se chega a ser adulado e uma outra de natureza pedagógica caracterizada por um desempenho sacrificado e apaixonante, mas pouco reconhecido. No aspecto material é na primeira parcela onde mais sucesso se tem, mas onde racionalmente nos sentimos fraquejar no dia a dia, correndo o risco de num momento de desequilíbrio, sermos rapidamente ultrapassados, traídos e arremessados para o esquecimento. Diremos que esta primeira parcela se liga quase exclusivamente às nossas duas mais antigas camadas cerebrais, a reptiliana e a límbica. Já a segunda parcela, além de materialmente menos rentável, tem um reconhecimento público tão lento, que por vezes só (nem) chega a título póstumo! Contudo, é a parcela por excelência do neo-córtice, com ele interagindo em critérios de satisfação colectiva e não de simples golpismo individual. Optar por ela dá uma certa acalmia e satisfação interiores... valendo bem a diferença!

* Eduardo Ribeiro Alves
Professor Especializado em Educação Especial
http://www.geocities.com/Athens/Agora/9122/

1 McLEAN, P.- A triune concept of the brain and the behaviour, University of Toronto, 1973.
2 VIEIRA, António Bracinha ? ETOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS, Ed. Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Maia, 1983.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 86
Ano 8, Dezembro 1999

Autoria:

Eduardo Ribeiro Alves
Professor especializado em Educação Especial
Eduardo Ribeiro Alves
Professor especializado em Educação Especial

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo