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Um ano do Tempo e do Mundo

Em letra de forma, escrevia-se "Vem aí o Ano Mundial da Matemática!" em carta que acompanhava uma das últimas convocatórias para reunião de sócios da A.P.M. (Associação dos Professores de Matemática).
Quem, nesta coluna, já teve a generosidade de ler considerações tecidas acerca de dias ou anos especiais, fará uma ideia da importância que lhes reconheço.
Uma coisa é a bondade da comemoração, que, porventura, merece louvor. No entanto, só o merece se houver reflexão profunda sobre a situação actual do comemorado (ou, no mínimo, lembrado) que implique reais tomadas de posição e criação de movimentos que propiciem a mudança, para melhor, está bem de ver.
Outra coisa, e diga-se em abono da verdade que não entra nos meus interesses cá do fundo, é o fácil resvalar para a impossível temporização do que é intemporal.
Longe da vista, longe do coração ...
Tantas vezes, perto dos olhos, longe de todos os sentidos...
... sejam os tradicionais que a biologia atribui aos humanos, sejam os que orientam mentes racionalizadoras e sensibilidades humanizantes.
A matemática, essa força criadora, nem sequer é exclusiva dos pensantes, é coisa da natureza.
Não se impõe pela simples razão de que está sempre ali, na beleza do puro ou na funcionalidade da aplicação.
Sim, sim, mas vamos aos números que alguns teimam em voltar contra ela própria, vamos às pautas dos escaparates dos estabelecimentos de ensino e, a talhe de foice, é melhor ir dando lugar de honra à construção da aprendizagem sem cair no ridículo de admitir que existe o que quer que seja na matemática que possa começar-se, assim como sensação pura, ignorando os saberes possuídos.
Sem sombra de dúvida que as taxas são más. Taxas? Reprovação? Insucesso?
Já não bastam os impostos para que "taxas" acompanhe franzir de sobrolho. Bem, bem, esqueçamos as outras taxas que implicam alarves sorrisos de bolsos cheios de nada, que mais não é o que não se distribui.
Antes de atirar umas flechas não envenenadas a eventuais co-responsáveis pelo estado das coisas, experimento debruçar-me, sem vertigens nem medo de cair, sobre a balaustrada do sucesso.
O que vejo? Ou o que não vejo, pois o negrume diminui a visibilidade. Não são rosas, senhor, que as não há que componham tal bouquet, são asas grandes assim como as daquelas aves que aparecem nos desertos dos antigos filmes do oeste americano à espera da presa ou altivas de estômago feito. Estas, talvez menos selectivas do que as que avisto, porque do menu tanto constavam índios como cowboys.
Aqui, tem sucesso, quer dizer, sobrevive porque vive sobre, quem tem escadas de material pouco nobre, logo, esquecem eles, sem significativos graus de maleabilidade ou ductilidade.
Reprovar pode ser uma forma, naturalmente não desejável, de obter sucesso contra um sistema, um poder discriminatório. E pelo facto de reprovar, não o de ser reprovado, só por si, não perpassará uma assunção de direito ao espírito crítico, à vontade de ser verdadeiro, ao inconformismo? E daí não advirá, se a educação for o que se pretende, o dever de negociar alternativas?
Sucesso, visto do patamar onde me (não)coloquei, não entra na classe dos valores.
A matemática, enquanto encarada como saber estanque, continuará a ser apodada de "maldita", como mentes iluminadas pelo conformismo da aceitação do óbvio classificam.
Nanja! Que ao menos um ano do mundo gere vontades e acções que convirjam no sentido de articular currículos e conteúdos programáticos a experienciar, em conjunto, na conquista da universalidade do saber.
Neste jornal, artigos vários têm apontado exemplos de fazer matemática com gozo.
Privilegio a beleza do simples! Atenção, não tem nada a ver com fácil!
É possível, garanto. Quem sou para garantir? Apenas uma pessoa que acredita e que não foi capaz de aprender, nem na escola nem na vida, o que quer dizer acomodação.
O novo ano lectivo não vem aí. Está aqui.

Iracema Santos Clara
Escola EB 2,3 - Dr. Pires de Lima


  
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Edição:

N.º 84
Ano 8, Outubro 1999

Autoria:

Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto
Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto

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