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A Toque de Caixa

OS FUNDADORES DO SISTEMA EDUCATIVO criaram o edifício que correspondia ao que queriam no seu tempo. Mas hoje precisamos e queremos outra coisa. A ciência, a técnica, o conhecimento em geral, a informação, a economia, o mercado de trabalho, a política, a organização e função do Estado (...) em nada se parecem com o que existia em meados do século XIX. Por isso continuamos a afirmar a necessidade de criar um novo sistema educativo e deixar de viver das reformas. Já não é suportável gastar a vida a imaginar remendos educativos ou a aplicar velhas soluções pensadas para velhos problemas. É urgente procurar outros caminhos para o sistema educativo.
(...)
PERMITAM UM BREVÍSSIMO REGRESSO AO PRINCÍPIO. No princípio, para se organizar, o sistema educativo inspirou-se no sistema militar, prestigiado e vigente em meados do século XIX, ou seja, no exército britânico. O exército inglês baseava-se ? e, com ajustamentos e pequenas alterações, ainda é assim ? na divisão em batalhões, estes em companhias, estas em pelotões e estes em secções. (...) Usem os professores a imaginação, e o conhecimento da coisa militar, e dispensem-me de aqui mostrar como assume a escola o Estado Maior, ou a função dos majores, capitães, tenentes, alferes e até dos sargentos.
(...)
O SISTEMA EDUCATIVO TEM DECALCADO ? a meu ver com basta ingenuidade ? as reformas, mudanças, soluções alternativas (?) do sistema militar. Pensem os leitores nas escolas de excelência, nos currículos alternativos, nas mil e uma propostas de organização e reorganização do sistema, nalgumas propostas para a formação de alguns grupos de professores (?) e verão aí as forças especiais, os comandos, a tropa de elite, os novos serviços de informação ? a nova secreta ? (formada nas ESE?S ou nas FPCE ? Grande dilema de política educativa ?). Tenham os leitores também aqui o trabalho de fazer a desmontagem das inovações dos últimos trinta ou quarenta anos e encontrarão muito espírito bélico, de combate e de missão tão queridos aos defensores dos dois velhos sistemas. Sistema educativo e militar continuam a par, só não dão a mão no salário visto que os sargentos e oficiais escolares ganham menos que os militares.

A ESCOLA É TAMBÉM UMA IGREJA militarmente organizada. Isto traduz, e completa, a outra fonte fundamental de inspiração do nosso velho e actual sistema educativo. As práticas de ensino inspiraram-se no sistema militar e religioso vigente. Terão tido aqui importância os jesuítas e beneditinos. A escola celebra o saber. As aulas são rituais religiosos. Ainda hoje professores e alunos suportam quatro ou cinco missas (aulas) por dia. Permitam que lembre com brevidade apenas algumas semelhanças. O professor é o celebrante. Os alunos são os fiéis. Secretária do professor ou púlpito? Quadro ou altar? Manual escolar ou bíblia (...). O padre fala e os fieis respondem. Avaliação e confissão dos pecados. E as penitências? E o céu (passar), o purgatório (reter) e o inferno (abandonar) no fim do ano? Tenham os leitores o trabalho de continuar a comparar (?).

OS ACTUAIS RESPONSÁVEIS pelo comando da educação chegaram ao fim do mandato. Experimentaram o frenesim da reforma e da contra-reforma. Fizeram "coisas muito giras". Felicitaram-se uns aos outros. Mantiveram o velho sistema educativo ligado à máquina. Oficialmente continua vivo. Este governo não mandou desligar a máquina. Foi um continuador dos velhos métodos e princípios. Como outros gastou dinheiro a disfarçar o indisfarçavel. O analfabetismo persiste. O abandono escolar também. O sistema continua a ensinar e a educar mal. Diploma-se e certifica-se a má qualidade. Cresce o número dos que se acomodam à baixa qualidade. Aumenta a tranquilidade.

COMO GRANDE OBRA EDUCATIVA o governo apresenta o crescimento da educação pré-escolar. Chegou a zumbir por aí a ideia de um currículo e programa para estas criancinhas. Felizmente não foi avante. Apesar dos muitos armazéns de crianças marcou o governo um ponto positivo: não foi desta que incorporaram as crianças, com menos de seis anos, no exército escolar. As outras, coitadas, continuam a trocar o passo ao som dos tambores governamentais.

A TOQUE DE CAIXA

José Paulo Serralheiro


  
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Edição:

N.º 84
Ano 8, Outubro 1999

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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