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Realismo de Kissinger

(...) Em 1975, Suharto invadiu a parte oriental de Timor, país que país que começava a ser governado pelo seu próprio povo após o colapso do império português. Estados Unidos e Austrália sabiam que a invasão se ia produzir e autorizaram-na. O embaixador australiano Richard Woolcott recomendava, em memorandos que mais tarde chegariam à imprensa, a via "pragmática" do "realismo de Kissinger", porque fazer um bom negócio sobre as reservas de petróleo de Timor seria mais fácil com a Indonésia do que com um Timor-Leste independente. Naquela época, 95 por cento das armas do exército indonésio procedia dos  Estados Unidos, ainda que o seu uso se encontrasse restringido aos termos do acordo de "defesa". Seguindo a doutrina do "realismo de Kissinger", Washington aumentou o fluxo de armas ao mesmo tempo que declarava uma suspensão das entregas de armamento e a opinião pública permanecia na ignorância. O Conselho de Segurança das Nações Unidas ordenou á Indonésia que se retirasse, ainda que sem qualquer resultado. Daniel Patrick Moynihan, embaixador na ONU naquela época, explicou o fracasso nas suas memórias. O embaixador vangloriava-se de ter feito com que as Nações Unidas se mostrassem "profundamente ineficazes no que se refere às medidas a tomar" porque "os Estados Unidos pretendiam que as coisas acontecessem tal como aconteceram", de onde "trabalhou para consegui-lo". Sobre o quanto e o como da forma de acordo com a qual "se desenvolveram os acontecimentos", Moynihan comenta que, em poucos meses, tinham sido assassinados 60.000 cidadãos de Timor, "quase, em proporção, o número de vítimas sofridas pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial".
O massacre continuou e atingiu o ponto mais alto em 1978, com a ajuda de novas armas entregues pela administração Carter. As mortes são calculadas em 200.000, o pior massacre de população civil desde o Holocausto. Em 1978, a França, a Grã-Bretanha e outros países uniram-se aos estados Unidos, dispostos a lucrar aquilo que pudessem com o massacre. O protesto do ocidente foi mínimo, limitando-se a ficar informado daquilo que estava a acontecer. O acompanhamento por parte dos meios de comunicação americanos, que havia sido elevado no contexto da preocupação com a queda do império português, diminuiu até ao zero a partir de 78.
Em 1989, a Austrália assinou um tratado com a Indonésia para explorar o petróleo da "província indonésia de Timor-Leste", uma região que, de acordo com alguns intelectuais realistas não seria economicamente viável, não podendo portanto aceder ao direito à autodeterminação. O acordo de Timor foi posto em prática imediatamente após o exército ter assassinado mais alguns milhares de cidadãos timorenses após as cerimónias do funeral de uma pessoa abatida pouco tempo antes pelo exército. As empresas petrolíferas participaram do espólio, sem um único comentário.
(...)

Noam Chomsky
Setembro de 1999
Publicado em Mojo Wire e em Rebelión


  
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Edição:

N.º 84
Ano 8, Outubro 1999

Autoria:

Noam Chomsky
Investigador e Professor Universitário, EUA
Noam Chomsky
Investigador e Professor Universitário, EUA

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