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HitchBook ou Tru(e)-Hitch

8 de Abril de 1962. François Truffaut voa para Nova Iorque.
Objectivo: apresentar " Jules e Jim" a distribuidores independentes e, se for possível, à imprensa. Sabe que vai ser recebido de braços abertos pela sua amiga Helen Scott, personagem - chave da cinefilia nova-iorquina. Esta mulher, gordíssima, sorridente, inteligente e francófila, trabalha na promoção dos filmes da Nouvelle Vague nos Estados Unidos, e tem uma preferência notória por "Os 400 golpes". Truffaut conta também durante a estadia concluir as negociações para a compra dos direitos do livro de Rey Bradbury " Fahreneit 451" .
Depois dos "flops" de "Tirez sur le pianiste" e " Jules e Jim", Truffaut pensa fazer um ano sabático: " Não pense que me disperso, mas tenho durante este ano muito que fazer para além de filmar, ou antes do meu próximo filme, seja uma curta-metragem, uma encenação de teatro ou um livro", escreve a Helen Scott a 30 de Abril, à sua chegada a Paris.
Será então um livro. Em Nova Iorque, o ex-crítico apercebe-se "ao falar com jornalistas americanos, que apesar de Hitchcock ser popular na América, é apenas compreendido superficialmente e, sobretudo como criador, é notoriamente subestimado pela critica". Truffaut que, anos atrás, nos "Cahiers du Cinéma" ou em "Arts", tinha multiplicado os elogios aos seus filmes, encontrou nos críticos americanos muito pouco respeito pelo génio do mestre.
Confiante na sua capacidade de convencer Hitchcock , bom conhecedor da sua obra, Truffaut sonha com um livro de entrevistas... Promete igualmente a Helen Scott de embarcar na aventura, ela que não se consola por não ter feito a adaptação do livro de Bradbury. Sendo pouco dotado para línguas, Truffaut tem consciência que precisa dela, quanto mais não seja para lhe servir de intérprete junto do mestre...
Falta então contactar Alfred Hitchcock. A 2 de Junho, Truffaut escreve-lhe uma longuíssima carta, na qual lhe expõe as suas intenções detalhadamente: "Quero que dê uma entrevista gravada, que se prolongará por 8 dias totalizando 30 horas de gravação, de onde se tirará, não uma série de entrevistas mas um livro a publicar simultaneamente em Nova Iorque e Paris, e depois, provavelmente em todo o mundo" a entrevista trataria, por ordem cronológica, a carreira do cineasta - filmes ingleses, mudos e sonoros, e o período americano - descreveria a elaboração e construção do argumento, realização, comparação com o filme anterior e avaliação do resultado. " Na minha opinião, o livro teria o interesse de descrever com precisão uma das mais belas e completas carreiras de realizado, e constituiria ao mesmo tempo uma obra muito precisa sobre a fabricação intelectual, cerebral, mas também manual e material dos filmes. Queria que todos os que fazem filmes aprendessem qualquer coisa com o livro", escreveu a 5 de Julho a Helen Scott.
Em Junho de 62, Hitchcock está muito ocupado com " Os Pássaros". Este filme, cuja rodagem acabará em Julho, mobiliza toda a sua energia por causa dos numerosos efeitos especiais. Hitchcock, entretanto respondeu por telegrama : " A sua carta fez-me vir lágrimas aos olhos...Penso que quando acabar "Os Pássaros" poderei por-me em contacto consigo para nos encontrarmos no final de Agosto". Enquanto esperava, Truffaut passa dois fins- de-semana de Julho em Bruxelas, fechado na Cinemateca Real de Jacques Ledoux, a ver e rever os filmes mudos do período inglês; leu vários livros de onde foram tirados os filmes de Hitchcock, e começa a regular certas questões práticas: Uso do gravador, projecto de edição bilingue, avanço financeiro... Este livro de entrevistas torna-se a sua prioridade do momento, um meio sem dúvida de fugir a maus pensamentos-Truffaut sabe que o período abençoado da Nouvelle Vague chega ao fim. A 13 de Agosto de 1962, chega a Los Angeles. Com Helen Scott, fecha-se no "bungalow" de Hitchcock, na Universal. As refeições são-lhe servidas à hora de almoço e 52 bobines são registadas por um técnico do estúdio. Será preciso esperar pelo último trimestre de 1966 para que " Le Cinéma selon Alfred Hitchcock" apareça na editora Laffont. A partir daqui, este livro, considerado justamente como a melhor obra de cinema, não parou de ser reeditado, tanto em França como no mundo inteiro- em Portugal pela D. Quixote - em diversos formatos e com o abrangente título " Hitchcock / Truffaut"...

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Ens. Artístico Soares dos Reis


  
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Edição:

N.º 83
Ano 8, Setembro 1999

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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