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O Direito de Aprender na Escola de Summerhill

Imagino-me com seis anos de idade e com a opção de ir, ou não ir, à escola. Iria de certeza. Estava ansiosa por aprender. Confesso que, se pudesse, substituiria o tempo dedicado ao Desenho por qualquer outra matéria. Não se trata de desvalorizar as artes visuais. A minha mãe sempre nos falou do gosto que tem por pintar e desenhar e a minha irmã é hoje pintora e professora de Educação Visual. O meu pai tem jeito para esquissos e coisas mais geométricas. Eu é que nunca tive jeito para nada que se pareça. Abdicaria, pois, do Desenho.

Imagino-me com 12 anos de idade e com a opção de ir, ou não, à escola. Iria a maior parte das vezes mas não desperdiçaria uma boa brincadeira, uma ida aos carroceis ou um torneio de futebol. Se não houvesse a obrigação de ir à escola, se não houvesse faltas e se não tivesse já a consciência clara de que estava a ser constantemente avaliada, abdicaria de algumas aulas. Sobretudo quando chegava a Primavera... Mesmo assim, dificilmente deixaria de ir a uma aula de Português, de Inglês ou de História.

Imagino-me com 15 anos de idade e com a opção de ir, ou não ir, à escola. Deixaria de lado a Educação Visual, a Matemática, as Ciências e o Francês. Nuns casos por não conseguir gostar da matéria. Noutros - tenho que o dizer - porque os professores que estavam à minha frente não conseguiam suscitar qualquer interesse, mesmo quando eu estava disposta a aprender. A minha resistência ao Francês é o melhor exemplo deste último caso. Mas, se pudesse ter mais aulas de certas disciplinas, também iria. Aliás, no 9º ano de escolaridade estive na opção de Educação Musical e toda a turma ia às aulas extra dadas pelo professor, pelo puro gozo de aprender.

Imagino-me com 16 anos de idade e com a opção de ir, ou não ir, à escola. Iria à maioria das aulas. As disciplinas de que eu não gostava já tinham ficado para trás. Portanto, era tudo como eu queria. Até o Francês substituido pelo Alemão. Mais ainda: sabia já bem a importância do ensino superior e estava decidida a entrar. Apesar de ter tido alguns professores pouco estimulantes, gostava de aprender e, fosse por isso ou pelo sentido de responsabilidade, não deixaria de o fazer. Se me apetecesse faltar, faltaria, como o fiz, de vez em quando, sem qualquer peso na consciência.

Tudo isto a propósito de Summerhill, a mais famosa escola progressiva inglesa. Desde a década de vinte que os alunos exercem o direito de aprender, logo aos seis anos de idade. Para os inspectores de ensino, trata-se antes do "direito negativo de não aprender". As aulas funcionam num turno de manhã e num turno de tarde. Os alunos vão se querem. Os pais só são informados acerca da assiduidade se os alunos derem autorização. Quando não vão às aulas podem fazer quase tudo: estudar por si próprios, ler, andar de bicicleta, ir à piscina, jogar à bola, trepar às árvores, brincar com as bonecas, ver televisão ou fazer qualquer outra coisa que lhes apeteça. Dormir de dia é que não podem. O "staff" está ainda disponível para transmitir outro tipo de conhecimentos não académicos, que dependem da curiosidade de cada um.

Os inspectores estão decididos a tudo fazer para fechar esta escola. Os defensores deste tipo de ensino lembram que as famílias têm o direito de escolher a escola que querem para os seus filhos e lembram que a escola não é subsidiada pelo Estado. Mostram os resultados dos alunos nos exames nacionais, que não sendo brilhantes mas são razoáveis. Os próprios inspectores reconhecem que têm vindo a melhorar. Mas insistem que os meninos têm que cumprir uma carga horária e frequentar o leque de disciplinas que os outros alunos da mesma idade frequentam. Para Summerhill, isso seria questionar toda a sua filosofia de ensino, nomeadamente o enriquecimento das crianças e jovens com outro tipo de experiências, o forte sentido de responsabilidade e as competências de socialização. E se, aos oito anos de idade, ainda não souberem ler, não faz mal. Aprenderão quando sentirem que estão prontos para o fazer.

Pergunto-me se uma educação deste género funcionaria comigo, que sempre gostei da escola e de estudar... Por não ter jeito para as artes, nunca fiz nenhum esforço. Hoje sou incapaz de fazer um "boneco" para dizer onde quero pôr a banheira, o lavatório e a sanita da minha casa. Não tenho a mínima ideia de espaços, nem de perspectivas, nem de proporções. Depois de terminar as aulas de Francês, fui três vezes a França e arrependi-me sempre de não ter aprendido aquela língua. Já para não falar das vergonhas que passo com a Matemática, em coisas básicas do dia-a-dia.

Se voltasse atrás, com a opção de não ir à escola e sabendo o que sei hoje, acho que iria a todas as aulas que fui. E iria não por obrigação mas por prazer, se pudesse trocar três ou quatro professores e se pudesse manter quase todos os outros. Sobretudo aqueles que várias vezes me vêm à memória, não só pelo que me ensinaram, mas principalmente pela forma como me souberam despertar e cativar.

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester / Inglaterra


  
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Edição:

N.º 82
Ano 8, Julho 1999

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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