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Escola a moldes da alta-costura (com eleição do mister e da miss EB 2/3 de Fajões e tudo)

O dia era de festa. Após um ano de intenso trabalho, eis que finalmente iam poder mostrar a toda a comunidade escolar o resultado do seu empenho e criatividade. Os preparativos tinham começado no dia anterior, com a montagem da estrutura do palco, da afinação das condições de luz e som e com os últimos ensaios. Tudo tinha de estar à altura. A meio da tarde do dia do espectáculo a expectativa crescia dentro de alguns corações. Qual seria a reacção dos colegas? Não havia tempo para pensar nisso. Era chegado o momento: luzes, música, acção!
Por detrás de um biombo começaram então a surgir os primeiros manequins, devidamente aperaltados para a ocasião e com autêntica pose profissional, para desfilarem a colecção de roupa que eles próprios tinham desenhado. A assistência, essencialmente juvenil, bateu palmas e assobiou, num sinal evidente de que as propostas de moda ali apresentadas pareciam agradar bastante. Não era para menos. Afinal, ninguém melhor do que os adolescentes sabe o que pode agradar a outros adolescentes.
Nos bastidores - a cantina, onde tinha sido improvisado o vestiário - podia ver-se uma panóplia de peças de vestuário espalhada pelos bancos e mesas. Foi lá que falámos com a Claúdia Oliveira, uma das alunas mais entusiasmadas com o ambiente que se vivia. "Ai, é uma coisa que adoro fazer. Tudo o que tenha a ver com moda eu gosto!", dizia, assegurando, com o mesmo entusiamo, que já se decidiu a seguir a carreira de estilista.
"Este ano deu muito trabalho, mas o ano passado foi ainda mais difícil porque as roupas eram feitas em materiais como o papel ou o plástico, o que dificultava a costura das peças", explica no seu tom vivo e despachado. O anterior desfile, recorda, "não foi tão a sério" como este. Desta vez sim. Utilizou-se tecido na confecção das peças de vestuário, o que tornou ainda mais real a sensação de se estar presente numa verdadeira passagem de modelos. Equações, algarismos, poemas, letras do alfabeto, monumentos portugueses, figuras históricas como Einstein ou Almada Negreiros, e outras menos históricas mas nem por isso menos conhecidas, como o Tintin, ilustravam as diferentes colecções na 'passerelle'.
O Johnny - não há engano, é mesmo assim que ele se chama -, por exemplo, baseou-se naquela famosa personagem da banda desenhada belga para elaborar as suas peças de vestuário. A princípio, confessa, até nem ficou muito entusiamado com a ideia. Mas após ter visto o resultado final até ficou com vontade, tal como a Cláudia, de seguir uma carreira como designer de moda. "O futuro o dirá". Para já, diz, vai para o 10º ano tirar o curso técnico de serviços comerciais.
A Ana Catarina, por seu lado, decidiu apoiar-se na disciplina de História e, mais concretamente, na década de vinte, para apresentar as suas propostas. "O papel da mulher desenvolve-se muito nessa época e por isso tive de subir um bocado a saia", explica à sua maneira. Mas esta não é, definitivamente, a área profissional que deseja abraçar. Está a pensar em seguir artes ou humanidades e garante que não se importava mesmo nada de ser "professora de línguas ou qualquer coisa assim". Quanto muito, acrescenta, gostaria de trabalhar em 'part-time' num atelier de desenho.
No polivalente, onde tinha sido instalada a 'passerelle', os gritos e os aplausos dos alunos eram quase insurdecedores. O entusiasmo com que alguns dos rapazes seguiam a apresentação era por demais evidente. Segredinhos, risotas tímidas e comentários mais ou menos jocosos, que, inclusivamente, mereciam alguns reparos por parte das auxiliares de acção educativa.

Uma área-escola "diferente"

Este original projecto de área-escola foi iniciado no ano passado pelas professoras Cristina Jorge e Dina Sarabando, professoras de Educação Visual e Português na Escola Básica 2,3 de Fajões, localizada próxima de São João da Madeira. Tudo, explicam as duas docentes, com o intuito de "desenvolver uma área-escola diferente e mais participada". É que apesar da generalidade dos miúdos serem bons alunos, quando ali chegaram ambas concordam que os encontraram um tanto ou quanto "apáticos".
"A sua receptividade a este projecto deixou perceber que as anteriores actividades não seriam muito cativantes para eles", diz Cristina Jorge. "Gostaram tanto que até já me pediram para ficar mais um ano. Claro que não lhes pude prometer nada, porque muito provavelmente irei ser colocada numa outra escola. Mas valeu a pena".
Antes de ter optado pelo ensino, Cristina Jorge tinha, também ela, tentado enveredar pela carreira de designer de moda. "Já lhes disse que não vale a pena sonharem muito porque já há muito estilistas à face da terra", afirma com um sorriso largo. "Mas é natural que nesta idade alguns deles tenham essa ambição". A experiência de Dina Sarabando, se bem que de uma forma diferente, também já vinha de trás. No seu último ano de estágio decidiu, juntamente com as colegas, organizar um desfile alusivo às disciplinas de Português e de Latim. A "brincadeira" resultou bem e, dois anos depois, quando foi colocada em Fajões, decidiu repeti-la em parceria com Cristina Jorge.
A ideia era conjugar as diferentes matérias do curriculo e fazê-las transparecer num único trabalho interdisciplinar. Assim, após uma aula de motivação onde foram projectados 'slides' alusivos ao tema, cada grupo ficou com a tarefa de ilustrar uma determinada disciplina e iniciar um trabalho de pesquisa, tanto na aula como fora dela. A biblioteca, até aí um local pouco visitado, passou a constituir um recurso mais utilizado pelos alunos.
Os modelos de vestuário propriamente ditos - divididos nas categorias de traje regional, no qual se procurou assimilar algumas das tradições locais, traje de desporto, traje original e traje de noite - foram sendo concebidos nas aulas de educação visual. Depois de esboçados os primeiros 'croquis', houve necessidade de proceder a uma discussão interna para determinar quais os que reuniam as melhores condições de serem concretizados. Após esta triagem, foram escolhidas as quinze melhores propostas. As aulas serviram ainda para construir um ecrã onde foram projectados os slides que acompanharam o desfile, feitos a partir dos desenhos de cada um.
"Agradou-me todo o projecto. Não só porque correu bem, mas principalmente porque eles se tornaram mais responsáveis e mais criativos. Comportaram-se quase como profissionais", refere Cristina Jorge. Inclusivamente, numa ficha de auto-avaliação do projecto, os alunos referiram que iniciativas como esta constituiam uma excelente maneira de aprenderem e divertirem-se ao mesmo tempo. Dina Sarabando partilha da mesma opinião: "tenho a mesma turma há já dois anos e pude constatar uma clara evolução do sentido de responsabilidade e de gosto pela aprendizagem". Ao mesmo tempo, dizem, foi uma forma de trazer mais alunos à semana cultural da escola. O conselho pedagógico destinou inclusivamente uma data estratégica para o desfile de modo a que participação fosse maior do que o costume.
No final do desfile foi a vez de eleger o 'mister' e a 'miss' EB 2,3 de Fajões. Uma brincadeira engraçada, a fazer lembrar os bailes de finalistas que se vêem nos filmes americanos. Quando foi anunciada a miss escola 1999, os aplausos foram efusiantes. A reacção das participantes não ficou por menos. As raparigas correram a abraçar a feliz contemplada, num retrato fiel do que costumam ser os concursos de beleza a sério (Depois não digam que a televisão não é a droga da nação).
A par deste projecto, um outro, igualmente incluído na área-escola, tomou forma nas aulas de Educação Visual. Tratou-se do projecto "Escola Alegre", através do qual se pretendeu dotar o espaço escolar de uma sinalética uniforme, até aí inexistente. Baseados na simpática figura do 'smile', aquele bonequinho redondo com um sorriso aberto, os alunos procurarm sintetizar simbolicamente os diferentes espaços da escola, dando-lhe um tom mais alegre e divertido. Ao longo da semana cultural da escola foi distribuído um panfleto com as respectivas legendas e vendidos alguns porta-chaves com o símbolo do projecto. Tudo para uma boa causa: comprar as colunas que faltavam à aparelhagem da escola.

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 82
Ano 8, Julho 1999

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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