"O acto educativo é uma relação entre culturas" "Cada professor é um processo (,...) e já não há modelos ideais" defende Ricardo Vieira, antropólogo social, na área da Educação. Ao longo dos últimos anos tem centrado a sua actividade de investigação sobre a construção da interculturalidade nas identidades pessoais e profissionais, e na metodologia das histórias de vida como metodologia compreensiva de práticas e representações sociais. Tópicos para uma conversa com Ricardo Vieira, licenciado em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Antropologia Social e Cultural e Sociologia da Cultura pela mesma universidade e Doutor em Antropologia Social, na área de Antropologia da Educação, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Foi professor do ensino secundário durante cinco anos e é, desde 1987, professor do Departamento de Ciências Sociais da Escola Superior de Educação de Leiria, onde tem ensinado Antropologia Social e Cultural, Antropologia da Educação, Educação Intercultural, Problemas das Sociedades e Culturas Contemporâneas e Ciências Sociais em Geral. Na Universidade de Aveiro, onde é professor convidado, ensina Sociologia da Comunicação e Comunicação nas Organizações. Ricardo Vieira é também membro do conselho de redacção da revista Educação, Sociedade e Culturas, co-organizador de diversas publicações da ESE de Leiria, autor de uma dezena de artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras, sendo também colaborador do jornal "A Página da Educação" desde Agosto de 1998. É igualmente coordenador do projecto de investigação "Avaliação da Formação Contínua do Centro de Formação de Leiria", plano de formação de 1998 e 1999.
P - Afirmou que as práticas e as representações sociais de cada professor denotam um "tipo ideal" com o qual se costumam identificar profissionalmente e lhes serve de modelo de conduta e de protótipo de "bom professor". Existe o "bom" professor? R - Eu penso que não existe nem o "bom" professor, nem o "bom" jornalista, nem o "bom" profissional, porque o conceito de bom e de mau é sempre definido conjunturalmente, contextualmente. Seja do ponto de vista dos pais, seja dos alunos, seja pela análise do investigador, há sempre uma heterogeneidade quanto àquilo que é considerado bom. No meu trabalho de terreno, por exemplo, observei muitas vezes como o professor considerado tradicionalista, descrito nos manuais de pedagogia como modelo a ultrapassar, a rejeitar, é desejado por alguns alunos. Do meu ponto de vista, penso que o modelo ideal surge consoante o papel dos protagonistas (professores, alunos, pais e outros agentes da comunidade educativa) e a visão educativa de cada um. O meu objecto de trabalho incide exactamente sobre a forma como esse ideal é construído e moldado de acordo com os percursos biográfico de cada um deles. Se me fizesse essa pergunta há dez anos atrás, responder-lhe-ia que o modelo ideal de professor se aproximaria do modelo de professor "activo", de professor "animador", que deixasse de ser o professor papagaio, para usar a terminologia do professor Vitorino Magalhães Godinho, limitado ao "sentem-se, calem-se e aprendam". Este era o modelo que eu criticava, com toda a subjectividade inerente a uma carreira que se foi tornando progressivamente reflexiva. Hoje não respondo da mesma maneira. Não há o "bom" professor, porque cada professor não se constitui como uma estrutura. Cada professor é um processo. Todos nós devemos ter consciência de que não existe um modelo único e que não é possível posicionar-mo-nos de fora e observarmos estética, ética e pedagogicamente algo como se ele fosse transcultural. Não o é. O acto de avaliar está subjacente a uma subjectividade que, sendo individual, é, no entanto, construída por padrões culturais. P - Realizou um inquérito, através de questionário, no qual pretendia captar a perspectiva de professores de carreira e futuros professores duma Escola Superior de Educação, neste caso de Leiria, acerca do perfil ideal de professor. Um dos formandos entrevistados afirmou que um professor que não seja uma pessoa activa, produtora de mudanças, não pode, por sua vez, formar cidadãos activos. Que comentário lhe merece? R - Acho essa afirmação interessantíssima. Creio cada vez mais - e não partilho esta ideia sozinho - que, para além de ser técnico que aprende a manejar ferramentas pedagógicas de comunicação (como falar e usar o silêncio, o sorriso e o olhar, o prémio e o castigo, que conseguimos inventariar e, portanto, racionalizar), ser professor é antes de tudo ser-se pessoa. Alguém que consiga conciliar os seus diferentes mundos, as suas diferentes vivências. Se um indivíduo assume o papel de professor escondendo esses seus mundos, está a usar uma máscara quando entra na sala de aula e não está a ser o seu "eu" natural. E o que me interessa particularmente na frase desse aluno é que, na perspectiva deles, dos alunos - e esquecemo-nos muitas vezes disso -, ele é reconhecido pelas suas qualidades de animador. Por saber exprimir-se e liderar, mas também por saber ouvir. Ser empático. A empatia e a capacidade de interagir são qualidades que se vão construindo, às vezes pouco conscientemente, consoante as oportunidades e as dificuldades que se nos vão apresentando e que, mais tarde, vêm ao de cima, naquilo que Pierre Bourdier chama "inconsciente prático". Independentemente de se ser professor, jornalista, actor de teatro ou presidente de uma colectividade. P - "A identidade é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão", refere num texto seu. Que importância tem, neste contexto, a interacção com os alunos no quotidiano escolar? R - Julgo continuar a haver um mito na mente dos jovens alunos, sejam eles do ensino secundário ou do ensino superior, que se torna necessário desconstruir: o do professor como algo de inatingível - quer use gravata ou não -, que atingiu um patamar fora do alcance dos seus "subordinados". Essa ideia é falsa. Quando o aluno interage com o professor, e apesar deste ser alguém que até sabe mais sobre aquele assunto, ele próprio tem algo a partilhar sobre esse mesmo assunto ou sobre outros. Este dar e receber é fundamental na relação pedagógica. A formação de professores passa também por reflectir sobre este assunto, de maneira a que o professor possa ser quem gosta de ser, vestir a pele que gosta de vestir. A empatia deve começar a ser construída de dentro para fora. Claro que se corre o risco de eventuais abusos, porque perante a criança ou o adolescente que concebe um professor exigente, corre-se o risco de ser encarado como um mau professor, um baldas... De qualquer forma, é a continuidade deste processo que pode construir, desconstruir, reconstruir, a própria identidade do professor como uma pessoa e não como um ídolo. P- Uma das suas alunas referia, no mesmo inquérito, que apesar de na própria instituição escolar todos saberem que algo tem de mudar, todos se acomodam à espera que alguém tome a iniciativa. Concorda? R - Estou inteiramente de acordo. É curioso como, por vezes, falamos do nosso objecto de estudo e, mais tarde, o conhecimento desse objecto de estudo, seja do professor sobre o aluno, ou, neste caso, do aluno sobre os professor, fica fechado. Estamos pouco habituados a reflectir sobre o que os outros pensam, neste caso sobre o que pensam de nós os nossos próprios alunos. Estamos longe de pôr em prática este modelo de interacção. Teoricamente surgem poetas dentro de cada professor, mas são poucos aqueles que mudam para este tipo de modelo. Ou já o são, ou lêem determinado artigo e passam a estar de acordo, seja um artigo da "Página" ou um manual escrito em Inglês ou Francês, mas a mudança pessoal, essa, é extremamente difícil. Haverá professores que vivem com esta dualidade interna, dividida entre o "ser quem sou" e o "como querem que eu seja". Nas escolas superiores de educação e nas faculdades que formam professores há muito que se "mastiga" este tipo de pedagogia interaccionista, um apregoar para a mudança, mas a verdade é que os alunos vêem em nós apenas o discurso. Haverá sempre excepções, como houve mesmo em determinados períodos históricos como o Estado Novo, onde essa relação unívoca e autocrática da comunicação e da educação foi mais modelar. Também aí havia pessoas consideradas na altura transgressoras que conseguiam pôr isto em prática. Mesmo neste momento, apesar do discurso oficial da formação de professores apregoar uma abertura à interculturalidade, a avaliação que os alunos fazem de nós tem o seu quê de verdade, porque eles pressentem que a prática está distante do discurso. P - E de que maneira levar à prática esse discurso? R - Eu acho que poderá partir de um hábito pouco praticado entre os professores: sentarmo-nos e discutirmos a eficácia das nossas práticas. A partilha de experiências na profissão docente tem sido escassa. Não tenho uma justificação para isso, mas dá a sensação que cada um de nós - não quero estar a falar dos outros como se fosse o herói da história - , vive a aula e o "ser" professor quase como que a desejar o final do dia. Não retiram o prazer que se pode obter da partilha. Ao nível da formação de professores, por exemplo - e eu já defendi em conselhos científicos nesta casa - existe a necessidade de haver ciclos de comunicação interna entre os professores que estão a realizar trabalhos de investigação para um melhor conhecimento mútuo. Nós precisamos de 'feed-back' e de treinar a possibilidade de o outro pensar diferente daquilo que defendemos como uma certeza. E isto é uma lacuna na formação docente. O pensamento divergente continua a ser visto como pecado e não como criatividade. P - Apesar de inscrito num contexto próprio, afirmou que "a rotina é uma segurança". É isso que impede a mudança? R - Sim. Apesar de a rotina acabar por ser também uma necessidade, porque a experiência acaba por ser consequência de uma rotina. Só que a rotina deve funcionar como um ciclo, como uma espiral, capaz de se desconstruir para encontrar alternativas. As quais, eventualmente, serão uma rotina dentro de um outro espaço de tempo. Mas o problema é que a profissão docente, talvez por ter sido pouco reflectida, por haver ainda pouca formação do tipo auto-reflexivo e hetero-reflexivo, onde todos surjam em pé de igualdade e cada um de nós se vá desmontando e dando-se a conhecer, se fecha sobre si própria. Por haver pouco esse hábito em Portugal, as pessoas fecham-se no seu mundo e conhecem pouco o risco que os outros correram - porque inovar é correr riscos - e, conscientemente ou não, fazem aquilo que sempre têm vindo a fazer. Daí a rotina. Isto faz-me lembrar algo que considero interessantíssimo, que é o próprio contexto escolar como ambiente propício à investigação e à reflexão. Certa vez, quando participei num seminário em Paris, verifiquei que a hora do almoço era ela própria um autêntico seminário, uma autêntica mesa redonda. Enquanto comíamos, as pessoas estavam interessadas em saber o que fazíamos, o que investigávamos, o que líamos, etc... e conversávamos sobre isso num acto de partilha enriquecedora. As pessoas lá fora têm esse hábito. A hora do almoço ou do café são um momento para relaxar mas, informalmente, são um momento de partilha. Em Portugal não vejo esse hábito, mesmo no ensino superior. P - É por essa razão que defende que a mudança nos sistemas educativos passa pela "reforma dos professores"? R - Quando me pedem para intervir num qualquer encontro, começo, em primeiro lugar, por tentar criar alguma empatia. Em segundo lugar aproveito para dizer alguma coisa mais forte como: "se fosse ministro" - que não gostaria nem saberia ser - "decretava a obrigatoriedade de um trabalho escolar de investigação quinquenal na carreira docente". A reacção não costuma ser muito favorável. O professor tem-se ainda a si próprio como detentor de um conhecimento inabalável. Talvez porque a sua infância e adolescência tenham sido vividas com essa visão de escola e de professor e porque a profissão docente tenha vindo a ser representada, na mente dos outros e na dos próprios professores, como algo que tem um fim e para a qual não há necessidade de inovar e de se pôr em causa. Ainda não está interiorizado o lema: "A aprendizagem dura toda a vida". Essa reforma dos professores - e quando penso nela não é no sentido vertical, no sentido de implementar um modelo normativo -, passa por tornar o professor um investigador toda a vida, um indivíduo capaz de reconstruir e de pôr em causa o que tem ensinado. E isto aproxima-se do que estávamos a falar atrás: essa reforma tem de passar pela partilha. Curiosamente, no âmbito do FOCO, aparece agora um modelo novo de formação: de projecto, de seminário, que passa por, no próprio ambiente de trabalho, as pessoas procurarem enriquecer-se, formar-se, auto-formar-se, hetero-formar-se. Põe-se cada vez mais em causa a formação através do curso clássico de formação; a aula onde uns debitam e outros bebem passivamente. P - Daí a necessidade de apostar na formação de professores interculturais? R - Sim. Esse é o meu modelo de cidadania e o meu "problema existencial". Tem o seu quê de subjectivo. Acho que durante muito tempo existiu o mito de que um dia seríamos todos "iguaizinhos". Um mito que começou com a revolução francesa - Liberdade, Igualdade, Fraternidade - e que se foi acentuando com a legitimação da escola e com alguma uniformização dos currículos, criando a ideia de que, com a modernidade e o progresso, um dia seríamos todos poetas, intelectuais. Como se fosse possível desenhar-se a construção de uma cidadania tipo "papel químico". A ideia da modernidade construiu, assim, uma ideia de uniformidade. Mas ao mesmo tempo que existe uma uniformização nas maneiras de pensar, estar e consumir, emergem localmente reivindicações identitárias. Continuamos a assistir a movimentos de uniformização e, simultaneamente, de legitimação da diversidade. Isto para dizer o seguinte: continua e continuará a haver multiculturidade entre nós. E se a escola quer pôr em prática a igualdade de oportunidades, se quer combater a exclusão social, não pode uniformizar aquilo que é diferente, aquilo que não é uniformizável. O modelo educacional que defendo parte justamente da ideia de que somos diferentes enquanto alunos e professores. O professor, tenha ou não tenha minorias étnicas na sala de aula, não tem de saber falar todas as línguas culturais dos seus alunos. Ele não tem de ser necessariamente multicultural nesse sentido. O professor tem de ser um professor multicultural no sentido em que promove a interculturalidade, o dar e o receber, a troca e a partilha. A ideia de que cada um de nós não pode crescer encerrado do seu mundo no contexto desta "aldeia global", para usar o chavão de McLuhan. Como um maestro que reconhece os contributos, as 'performances' e os erros dos restantes músicos mas não sabe pegar no violino e mostrar como o outro deve melhorar. Também o professor não tem que "manipular" todas as culturas. Tem é que reconhecer e conhecer o suficiente para as pôr em diálogo. O professor tem de criar na mente destes cidadãos, portadores de determinados modelos culturais, o conceito de abertura. E essa abertura não significa anular, significa crescer com uma determinada matriz mas, eventualmente, incorporar outros padrões. Ou rejeitá-los. Há uma liberdade de escolha, mas ela não pode permitir o fomento do medo, do ódio ou da vergonha da cultura de origem. Em termos educacionais, e não estou apenas a falar do ponto de vista cognitivo, mas da cidadania, da formação pessoal e social, temos de pensar numa cidadania intercultural capaz de fazer entender a unidade na diversidade. P - Voltando ao inquérito que realizou: concluiu que alguns alunos se enquadravam num perfil dinâmico e outros num perfil tradicional. E falou de resultados estereotipados. Isso não o preocupou? R - Sim, preocupou. Mas ao mesmo tempo mostrou a crítica que devemos fazer em relação ao trabalho de investigação com alunos, porque o inquérito, por si só, não é suficiente. Se queremos estudar e conhecer os processos de construção das representações dos modelos de professores, não é através de uma resposta X ou Y em determinado questionário. É preciso um trabalho de campo com entrevistas contínuas, voltar a tocar nos assuntos em datas diferentes, confirmarmos se as respostas são resultado de uma convicção profunda ou de alguma situação influenciadora, etc... Se não temos possibilidade de questionar a pessoa pessoalmente acabamos por saber pouco do que ela tem para si como ideal de escola, ideal de professor ou ideal de pedagogia. Mas isto mostra como só alguns estão dispostos e sensibilizados para, perante um questionário que tem um tipo de resposta não apenas fechada, usarem uma resposta aberta. É essa a prova de que existe um gérmen dentro de cada um, antes ou no início de qualquer profissão, para ser mais reflexivo que os outros. E essa reflexão é a base da assumpção da formação ao longo da vida como necessária para uma vivência feliz e socialmente integrada. P - "A formação de professores tem de se tornar diferente se se quiser actuar a nível das atitudes e das representações", afirmou também num artigo escrito neste jornal. Que mudanças são necessárias? R - Há disciplinas na formação de professores que têm uma visão mais humanista, conteúdos que põem enfâse precisamente na construção de atitudes e representações, que variam conforme o estabelecimento de ensino, mas que em termos de objectivos têm muito em comum. A Psicologia, a Pedagogia, a Sociologia, as Ciências da Educação - a Antropologia da Educação, que eu reivindico - têm esse problema em comum para resolver: pensar a diversidade e lidar com a diversidade individual e cultural. Como o fazer? Não me parece que seja apostando em mais carga horária nesse tipo de disciplinas 'versus' disciplinas ditas de cariz científico. Não é isso que resolve o problema. Até porque muitas vezes surge um paradoxo na formação: ter boas notas nestas disciplinas não implica necessariamente ser melhor que os outros, ou que de uma boa classificação advenha a construção de um perfil de professor "para agir". Às vezes, pelo contrário. Mostra tão só a nossa capacidade de memorizar e de responder a testes, de vestir uma máscara, como dizia no início, que se pensa ser a máscara desejada pelo professor que nos avalia. A alteração passa por uma modificação de fundo da filosofia de formação. E ela não consegue ser posta em prática sem que os professores que a concebem estejam convictos dela. Quer se seja professor de Matemática, Inglês ou Religião Moral e Católica, cada um necessita de uma sensibilização própria para estas problemáticas, que devem ser trabalhadas interdisciplinarmente. Uma formação reflexiva, assente na partilha. Ela deve ser principalmente estimulada nos professores que vão trabalhar logo no pré-escolar ou no 1º ciclo, porque é aí que tem de se saber lidar com a diversidade. E não fazer dela uma patologia. Mas esta é uma questão geracional. Uma questão de os professores que estão agora a ser formados terem por trás escolas e professores capazes de dizer que determinado programa não está sujeito à corrente A, B, C ou D, mas sim que tem dois temas e que o objectivo é falar de todos eles, investigarmos mais e partilharmos os resultados das descobertas. Porque muitas vezes as vivências do professor advêem dos modelos vividos. Se não o sensibilizarmos para viver a alternativa, o formando vai ouvir que "pode ser assim" mas não vai fazer de modo diferente. Tem de fazer sentido na sua própria vivência, e começa por ele, enquanto professor, conseguir fazer sentido daquilo que diz e ver como se encaixa na sua experiência e na sua vida. Para que estes alunos, então professores, possam estabelecer uma filosofia de escola semelhante, fazendo com que as crianças aprendam a ouvir, aprendam a partilhar e a viver com a diversidade. O problema não passa pelo estabelecimento de uma disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social ou de uma área de formação a nível pessoal e social. É a forma de trabalhá-la curricularmente que está em jogo. E esta é uma situação terrível, porque estamos todos marcados por uma pedagogia referida por alguns autores, nomeadamente o Steve Stoer, como monocultural. Nós somos também produtos dessa tal modernidade - que nos quis tornar professores e doutores, etc..., tornando-nos pouco sensíveis para entender, conhecer, reconhecer a alteridade, a diferença. Esta preocupação de incluir na educação escolar, no ensino, a alteração das atitudes, das representações, está ainda pouco treinada em Portugal. É uma coisa nova e vai demorar tempo a ser implementada. Porque tudo isto é muito complexo. Mesmo com os pais, cuja maioria tem ainda referências da escola diferentes desta. Um modelo sob o qual se saía da escola a saber de cor e salteado as linhas de caminho de ferro. De repente aparece um professor que, mais do que marcar o ritmo pelo ensino da escrita e da leitura, preocupa-se primeiro com a tolerância e com a educação multicultural. É o suficiente para pôr em causa a capacidade do professor que está a inovar. É por essa razão que defendo o acto educativo como uma relação entre culturas, que os professores têm de tornar intercultural. Uma espécie de terceira cultura onde eu não sou já quem era, nem vou ser o que tu me ensinas, mas dos dois serei um outro eu, uma terceira pessoa híbrida de mim e de ti, e de outros, onde os diferentes pesos do eu e do outro são da minha livre vontade. Como no hipermercado, onde me abasteço para a minha cozinha da prateleira que quero.
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