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Há 25 anos (II) - A repressão endurece...

"...ser revolucionário é guardar a memória do passado"
Natália Correia

"... Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não"

Manuel Alegre

Ainda mal refeitos da vaga repressiva de Fevereiro de 1974, em que o Ministério Veiga Simão se expôs ao ridículo e se viu obrigado a mostrar a outra (a verdadeira?) face da proclamada liberalização, os professores não se atemorizaram, prosseguiram a sua organização e a sua luta em torno dos Grupos de Estudo (GEPDES).

Quanto a estes, a maior preocupação passava por não revelar quaisquer sintomas de abrandamento ou quebra, em afirmar a sua presença e a sua actividade e sobretudo, em lançar o previsto nº 3 da Revista (Fevereiro), o que se não afigurava tarefa fácil, sobretudo face às sucessivas mutilações de textos pela censura, mas constituía, sem dúvida, a melhor forma de assegurar que a Luta continuava...

Foi com um generalizado espanto que, menos de um mês depois, se assistiu a nova vaga repressiva.

Desta vez, já não se tratava de circulares a reitores e directores dimanadas dos Directores-Gerais a inquirir dos membros da escola ligados aos GEPDES, mas de um despacho - o famigerado Despacho 9/74 - subscrito pelo Secretário de Estado Augusto Ataíde e dirigido a todos os professores, o qual tinha como objectivo denunciar à generalidade da classe os "malfeitores" dos GEPDES e o perigo de com eles se envolverem.

Com a marca pidesca desde a primeira palavra - "os chamados" ...- os Grupos de Estudo eram acusados de (1):

- distribuírem um documento em que "se sugere e preconiza a constituição de uma associação de professores a nível nacional", acompanhado de um questionário

- publicarem uma série de artigos sobre assuntos de ensino na imprensa

- publicarem notícias sobre as suas actividades nos dois primeiros números da revista o professor;

- "anteriormente", entre outras acções, tinham promovido um colóquio no Porto, difundido pelos jornais algumas reivindicações e publicado em Dezembro de 1972 um comunicado em que, a propósito da concessão ao funcionalismo público do 13º mês, se fizeram críticas destrutivas e observações facciosas à medida tomada pelo Governo.

Seguia-se a caracterização do "bando" - "constata-se que há mais de três anos, alguns professores do ensino liceal, secundário e preparatório, vêm prosseguindo determinadas actividades em conjunto, para o feito tendo criado um "substrato social" a que deram a denominação algo fluida de "Grupos de Estudo"
Retomando as acusações das reflexões e discussões de ordem pedagógica e da intenção manifestada de se constituirem em associação, de que o referido questionário parece a peça mais grave e perturbadora, sobem as mesmas de tom pois "afiguram-se anticonstitucionais e ilegais".
Incluem-se doutos pareceres do administrativista Marcelo Caetano a "fundamentar" tão bizarras teses, particularmente a de se equiparar a actividade dos GEPDES a uma associação secreta.
Seguidamente enumeram-se as penas a que estavam sujeitos os que se envolvessem em tão criminosas actividades:
- prisão correccional nunca inferior a 6 meses
- perda de funções públicas
- multa não inferior a 2.000$00
- suspensão dos direitos políticos por 5 anos

Desta vez os GEPDES avaliaram a gravidade da situação e decidiram agir de imediato. Foi elaborada uma extensa e fundamentada resposta onde se provava a bondade das actividades dos GE, a sua exclusiva preocupação de defender os interesses da classe e da educação, o seu perfeito enquadramento legal e no espírito dos propósitos insistentemente enunciados pelo Ministro Veiga Simão. Uma citação deste (" Mas, educação... é diálogo: aberto, franco, sereno, sem medo e sem eufemismos " ) encimava o documento.

Nas escolas o ambiente era de manifesta repulsa pelo teor e espírito da atitude ministerial e de claro e solidário apoio aos GEPDES e suas actividades.

Daí a forma esmagadora como em escassos dias foram recolhidas milhares de assinaturas de apoio à resposta dos GEPDES, muitas das quais nem puderam ser contabilizadas dada a urgência em proceder à sua entrega.

Foi um dos mais altos momentos de dignidade da classe docente portuguesa ao longo da sua história e que, premonitoriamente anunciava os tempos a vir.

Não foram conhecidos os efeitos imediatos, mas a escala repressiva pareceu deter-se, enquanto o ambiente nas escolas era de firmeza e expectativa.

Tal como acontecera em Fevereiro, voltaram a registar-se vários casos de atitudes dignas e responsáveis por parte de alguns reitores (raros) e directores que analisaram a delicada situação criada com elementos dos GEPDES a exercer nas suas escolas e liceus.

25 anos depois, quando o mentor de toda esta operação intimidativa é membro do Governo do Portugal Democrático, parece ser de interesse recordar e reflectir sobre os factos e as intenções.

Registe-se que este comportamento policial do Ministério surpreendeu os directores, reitores e professores, por se tratar de prática inédita, pela sua contradição com a tão apregoada liberalização do regime, com os discursos pomposos de Veiga Simão ( por toda a parte proclamando as liberdades...) que faziam grandes títulos nos jornais, o mais célebre dos quais terá ficado "Não queremos um rebanho de carneiros"...

Por outro lado, uma atitude deste tipo podia ser esperada, a todo o tempo, da polícia política (PIDE), mas nunca do Ministério que tutelava o sistema de ensino oficial.

Aliás, em investigações recentes nos Arquivos da ex-Pide não foram ainda encontradas pistas sobre a perseguição ou investigação pela polícia política das lutas dos professores.

Depois do 25 de Abril, foram descobertos alguns elementos isolados e dispersos que se referem às actividades dos Grupos de Estudo.

Correu nessa altura a informação que o "dossier" sobre os GEPDES (como o do MFA...) estaria destinado a ser "tratado" após o 1º de Maio de 1974, o que não chegou a ser confirmado.

Apesar dos intermediários (Directores-Gerais e Secretário de Estado), não podem restar quaisquer dúvidas sobre a responsabilidade de Veiga Simão nestas operações de ataque às lutas dos professores.

Aconteceu que, por sua iniciativa, e num telefonema inesperado a propósito de outro problema, em Maio de 1974, o ex-Director-Geral do Ensino Básico, Fernando Teixeira de Matos (já falecido) fez questão de aproveitar para "esclarecer" que quando esses ofícios-circulares chegaram aos dois directores-gerais para o envio para as escolas, os mesmos consideraram que se tratava de documentos inoportunos e que iriam ser mal recebidos pelos professores. Por isso, os terão "metido na gaveta", mas, as pressões do Ministro através dos secretário de Estado obrigaram-nos a proceder ao seu envio. "Si non e vero..."

José de Veiga Simão deve ser das figuras públicas mais polifacetadas da segunda metade do século: nele convergem o beirão serrano que em Coimbra brilhou como escolar, que se doutourou em Inglaterra com incontestável mérito, que se sujeitou com inteligência e bonomia às praxes coimbrãs - a sua "tourada" (2) foi uma performance rara, numa época em que outros ministeriáveis com suspeitas cumplicidades a ela se furtaram -, que tem o privilégio de ser sócio honorário da Associação Académica de Coimbra - de que aliás fora um atleta de basquete vitorioso, num tempo em que a Secção era um baluarte da direita por contraposição à Direcção-Geral democrática liderada por Santos Simões - , que fundou na então Lourenço Marques a actual Universidade Eduardo Mondlane em Maputo, que viria depois a ser um dos rostos visíveis da primavera marcellista e lançou uma "reforma" educativa (preparada por Leite Pinto e Galvão Telles e "imposta" pela O.C.D.E.) que entusiasmou o país e que, com todas as ambiguidades e demagogias, em verdade, constituiu o único "abanão" que o sistema de ensino sofreu nos últimos decénios, que, pressionado ou não, não hesita em reprimir professores e estudantes, que não foi o primeiro-ministro da Liberdade, porque o poder de Spinola não era ilimitado, mas representou o País de Abril nas Nações Unidas, reciclado como democrata por Mário Soares (com "cunha" de Almeida Santos), que terá sido um bem escolhido Presidente do LNETI, de onde, apesar de "chamuscado" pelo escandâlo do urânio, saiu uma vez mais por cima, que aceita voltar ao poder, agora na Defesa de um país pacificado, que, com inaudito desplante, responde ao jornalista que o interpela sobre os "gorilas" que impôs nas Faculdades, substituindo-se ao ministro das polícias de há 25 anos Gonçalves Rapazote para reprimir os estudantes, que "se limitou a antecipar aos actuais seguranças...", enfim, o magistral retrato que entra todas as semanas em nossas casas através da "Contra-Informação" - o Velho Simão.

Costa Carvalho
Escola EB 2/3 de Canidelo

 

  1. O despacho integral pode encontrar-se em "Educação, Acto Político" de Agostinho dos Reis Monteiro, Livros Horizonte, 2ª edição, s/d.
  2. Faz parte da "praxe" académica da Universidade de Coimbra que um professor na sua primeira aula teórica se sujeite ao "gozo" dos alunos das várias Faculdades, acto em que é determinante o papel dos "fitados" (finalistas) e dos "caloiros"

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo
Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo

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