Página  >  Edições  >  N.º 79  >  Formar Cidadãos, Discutindo Filosofia...

Formar Cidadãos, Discutindo Filosofia...

Tentando responder à questão formulada pela Professora Cristina Robalo Cordeiro, na sua intervenção na Universidade de Coimbra aquando da atribuição da Medalha de Ouro a José Saramago, permito-me relatar uma modesta experiência que, em parte, responde à pergunta "Como ensinar Saramago?".
Na Escola Secundária do Padrão da Légua, em Matosinhos, reflectia-se sobre Kant, no 12º ano. Nessa altura, o Público (edição de 6/12/92) publica o artigo "Contra a Tolerância", da autoria de José Saramago. Os alunos sentiram-se desafiados a compararem os dois autores, reflectindo sobre questões éticas, e discutindo o tema. Fizeram-no com tal entusiasmo e "excelência" que decidiram dar conhecimento desta discussão a Saramago.
Como chegar até ele? Pela Editora, pela Associação de Escritores, para a sua residência particular? Entretanto, um aluno recolheu uma informação importante: Saramago tinha sido eleito presidente da mesa da assembleia geral da Associação Portuguesa de Escritores. Estava assim resolvido o problema do envio da mensagem. No entanto, outro surgiu imediatamente: como nos dirigirmos a ele, que forma dar ao documento? Da tempestade de ideias, surgiu um texto muito reflectido e participado, que foi incluído num dossier assim a ser enviado ao escritor.
Para surpresa geral, onde se esperava uma atenção talvez divertida, com o atrevimento, o escritor não só leu, como respondeu atentamente, e, mais ainda, registou este acontecimento no primeiro volume dos "Cadernos de Lanzarote".
"... Dialogar com Kant (...) pode compreender-se e aceitar-se, se pensarmos que o dito Kant, ao longo da sua vida, teve necessidade de dialogar com muitíssima gente graças ao Padrão da Légua, falei eu com Kant".
Afinal, Saramago não dialogou apenas com Kant, mas com estes alunos que se tornaram leitores do escritor e admiradores do homem.
Passados seis anos, o diálogo entre nós continua, pois, no mês de Novembro, conversámos entre nós, sobre ele, sobre as suas obras, e, com ele, como sucedeu e quando foi o lançamento de "Todos os Nomes", no Porto. Na biblioteca da Escola existe já um razoável acervo de recortes, de apontamentos, e, sobretudo, de obras.
Podemos afirmar que antes da Academia Sueca dialogar com/sobre Saramago, a Escola do Padrão reconheceu-lhe, em 92, o estatuto de dialogador privilegiado. Assim se confirma que a filosofia é sempre uma ponte entre personalidades, ideologias e culturas.
Cremos poder concluir que Saramago permitiu, aos seus leitores, uma reflexão sobre grandes questões da humanidade, que, de outra forma, poderiam não ter conseguido formular.
Estamos gratos a Saramago por isso...

Ana Maria Martins Dias
Escola Secundária do Padrão da Légua
Matosinhos


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

Ana Maria Martins Dias

Ana Maria Martins Dias

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo