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Que Fazer com esta Autonomia (da Escola)? II

A contradição fundamental que esta questão encerra está justamente no que fazer, quando este que fazer é, antes de tudo, um dizer...ou, melhor, um dizer-se, já que toda a acção social é um projectar-se. Era, em síntese, o problema de que tratava a crónica da do ultimo número. Na verdade, se a autonomia das escolas é objecto de tantas perplexidades por parte dos professores e educadores, isso significa que a adopção da sua prática implica um trabalho de transformação dos referentes da acção profissional que, basicamente, se tem pautado, até aqui, por uma atenção quase exclusiva à importância das disciplinas, se exceptuarmos o-1ºCiclo do Ensino básico.
Ora, a centralidade profissional desempenhada pelas disciplinas define o trabalho escolar dos professores segundo uma relação solitária com a "matéria", que se traduz em autonomia individual e, em muitos casos, numa base de identidade profissional (ainda) socialmente reconhecida. Em contrapartida, o que a autonomia das escolas arrasta consigo é uma deslocação desta centralidade disciplinar para uma centralidade organizacional e relacional, o que pressupõe, da parte dos professores, um trabalho de cooperação e de subordinação a uma lógica de conjunto, onde o que se torna dominante é a articulação curricular. Por força desta articulação, não é apenas a disciplina que é subalternizada, é também a pessoa do professor, não apenas identitariamente, mas também organizacionalmente, uma vez que o desenvolvimento do seu trabalho fica sujeito aos mecanismos próprios da coordenação global, ao nível do conselho pedagógico e do departamento curricular, onde as disciplinas deixam de ter representação nominal.
Estas transformação globais não são pacíficas se tivermos em atenção não só o acréscimo de tarefas e de responsabilidades, como, sobretudo, de novas competências que, como se sabe, incluem, o desenvolvimento de projectos, subordinado a uma lógica de contrato, que é objecto de avaliação periódica, à qual está associado tanto o montante de financiamento, como a imagem social da escola e, consequentemente, a imagem dos seus profissionais.
Estas novas competências não são, como se sabe, nem de carácter técnico, nem de carácter cognitivo, no sentido de que não correspondem a conhecimentos assistidos cientificamente, conceptualmente pré-definidos. Elas são competências que se adquirem nas situações vividas, em confronto com os problemas e conjugam-se no registo do acontecimento, o que quer dizer quer elas se constroem num jogo de interacções, cujo êxito implica um fluxo comunicacional onde a análise dos problemas (e o teor cognitivo que lhes preside), as regras de discussão (o plano normativo que a orienta) e o investimento prático face aos problemas (o modo expressivo/afectivo que assumem) constituem um processo integrado no comportamento dos actores. Não se trata, pois, de competências que se adquiram através da leitura individual de circulares ou de normativos especiosamente elaborados ou de simples tratamento da informação. "O que fazer com esta autonomia" não é, portanto, um programa que se possa definir do lado de fora dos actores, como se se tratasse dum programa técnico que se destinasse a ser aplicado verticalmente, qualquer coisa como "O conselho pedagógico aprecia e decide" ou o "Departamento curricular articula" e o "Conselho de turma aplica..." É preciso ter presente que a realidade, tal como é tratada em cada um daqueles níveis, não é a mesma, porque a realidade é constituída pelas relações que se estabelecem entre a intencionalidade dos actores, as condições de trabalho e o próprio estatuto de que estão investidos nessas relações. É por isso que "O que fazer com esta autonomia" é antes de tudo responder à questão " O que desfazer com esta autonomia?"
Vamos tentando...até à próxima.

Manuel Matos
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação / Universidade do Porto


  
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Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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