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Fernando Santos, Doutor em Treino Desportivo, a "a Página"

Licenciado em Educação Física pelo Instituto Superior de Educação Física (ISEF) de Lisboa, em 1977, Fernando Tavares ingressa como assistente convidado no ISEF do Porto três anos mais tarde. Após a integração plena do ISEF na Universidade do Porto, em 1989, altura em que altera a sua designação para Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física do Porto (FCDEFP), Fernando Tavares inicia o doutoramento em Treino Desportivo, que conclui em 1993. Actualmente, é vice-presidente do conselho directivo da FCDEFP, cargo que acumula com o lugar de professor associado na área de basquetebol, sendo também coordenador do Centro de Estudos de Jogos Desportivos desta faculdade. É o nosso entrevistado do mês.

Quando surgiu a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física do Porto?

A criação da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física do Porto é relativamente recente. Em 1964, é criada na cidade a Escola de Educação Física, um curso de grau médio que formava exclusivamente professores de Educação Física. Após o 25 de Abril, estas escolas foram extintas e criados os Institutos Superiores de Educação Física (ISEF), no Porto e em Lisboa. O ISEFP mantém-se como instituição até 1977, altura em que é integrado na Universidade do Porto. Só mais tarde, em 1989, aquando da revisão dos estatutos da Universidade do Porto, é que passa a designar-se Faculdade de Ciências do desporto e Educação Física do Porto.

Em que contexto é que surge a sua integração na Universidade do Porto?

Porque o conhecimento que se foi desenvolvendo ao nível das diferentes áreas da Educação Física, bem como do desporto em geral, começou a adquirir um corpo teórico e conceptual que necessitava de um enquadramento global próprio, aquilo que se resolveu designar como Ciências do Desporto. É a partir dessa altura que a formação começa a ter um cunho necessariamente superior em termos de conhecimento. Nesse sentido, houve uma plena integração no âmbito da Universidade do Porto.
Ao longo do processo foi necessária a colaboração de outras instituições da Universidade do Porto na formação do corpo docente. Algum tempo depois já existiam docentes a doutoraram-se no estrangeiro e na década de 90 a faculdade conseguiu formar um corpo docente próprio e com reconhecimento profissional.

Quantos alunos estão actualmente inscritos?

O número de estudantes é hoje de 1100, dos quais 950 são de licenciatura e 150 de mestrado e doutoramento.

Quantas licenciaturas são atribuídas, em média, por ano?

O ano passado foram atribuídas 92 licenciaturas.

E a procura? Tem aumentado ou estabilizado?

Neste momento tem tendência para estabilizar, mas em números muito elevados. Só este ano, nos pré-requisitos de inscrição de acesso ao ensino superior, estão inscritos cerca de mil candidatos. No ano passado tivemos à volta de 1020. Para cem vagas é complicado...

É um numerus clausus bastante apertado...

Sim. Mas após estabilizar, num prazo de quatro a seis anos, o mercado de trabalho a nível do ensino - que é a principal área de empregabilidade - estará preenchido.

A grande maioria dos finalistas destina-se, então, aos quadros da administração pública?

Sim, diria que mais de 90 por cento.

E os restantes alunos?

Os restantes alunos optam por outras áreas de actividade, como a via do treino desportivo ou a gerência de espaços como ginásios e academias. Começa actualmente a haver uma maior procura pela área de recreação e lazer, dado que a procura de actividades ao ar livre e associadas a desportos radicais está também em crescendo.
Outros ainda optam pela via da gestão autárquica do desporto, através do mestrado em Gestão Desportiva, que se iniciou este ano. Dos cerca de vinte e cinco alunos inscritos, uma grande percentagem encontra-se já no mercado de trabalho e frequenta este mestrado essencialmente em busca de especialização.

Mas porquê a fraca procura nessas áreas?

Porque não há garantias de emprego. A via do treino desportivo, por exemplo, oferece muito pouca segurança em termos laborais. Exceptuando meia dúzia de entidades desportivas, ligadas ao futebol e a mais uma ou duas modalidades, onde poderá existir garantia de uma relativa segurança, tudo o mais é um risco.

Mas o desporto português está a adquirir um nível de profissionalização crescente. Não será esta uma boa altura de os clubes apostarem na formação?

Sim, mas temos de atender à realidade dos clubes desportivos portugueses. Em Portugal ainda se paga muito pouco a quem trabalha com os escalões mais jovens, com os escalões de formação. É praticamente impossível subsistir apenas dessa actividade. Aqueles que se licenciam em Educação Física e têm como área de preferência o treino desportivo, trabalham durante o dia numa escola e só exercem aquilo que realmente gostam ao fim do dia ou à noite.

O número de licenciados existentes já preenche as necessidades do país?

Nos últimos anos houve em Portugal uma proliferação de estabelecimentos de formação em Educação Física e Desporto, inclusivamente através da criação de algumas universidades privadas, sendo uma área onde os institutos politécnicos têm também uma palavra a dizer. De resto, pode dizer-se que hoje em dia existem estabelecimentos de ensino com formação nesta área em praticamente todos os distritos do país.

Suficientes, então, para preencher as necessidades das escolas?

Não totalmente. De qualquer maneira, acredito que, em poucos anos, a oferta atingirá o ponto de ruptura. Isto porque, como é sabido, muitas escolas do ensino básico estão a fechar portas em certas zonas do país e mesmo nos centros urbanos o número de estudantes está a diminuir. O que significa que a curto prazo haverá um excesso de oferta.

É preciso, então, apostar em alternativas?

Sim. E a Universidade do Porto está preparada para isso. As nossas opções já perspectivam esses cenários. Para além de termos uma oferta traduzida em cinco mestrados, existem também protocolos de parceria com diversas instituições desportivas - nomeadamente com o Instituto Nacional do Desporto, com o qual colaboramos na área de alto rendimento - e com algumas federações nacionais. Uma aposta no sentido de formar não só agentes de ensino, como também profissionais de investigação.

A faculdade continua com um deficit ao nível do corpo docente e não docente, como referia, em 1994, um estudo da Universidade do Porto?

Temos 63 docentes, dos quais 28 são doutorados e 9 mestres. É um quadro interno de professores suficiente para dar resposta ao actual plano de estudos.

O mesmo se passa com o corpo não docente?

Existem algumas deficiências, mas é preciso ver que a faculdade, em termos de espaços físicos, ainda não está terminada.
Foi agora concluída uma segunda fase, que ainda não foi ocupada, equipada com courts de ténis, uma nave desportiva, um ringue de patinagem, um campo de voleibol com areia - destinada a vólei de praia - e uma pista circundante à faculdade. A fase final prevê a construção de um campo de futebol e de uma pista de atletismo em tartan.
Claro que, nessa altura, haverá necessidade de outro tipo de pessoal, inclusivamente com outro tipo de formação.

Quando é que estará tudo definitivamente pronto?

Esta última fase ainda não foi adjudicada. Há garantias em termos de verbas e de auditoria, mas ainda estamos à espera que avance.

Mas faz ideia quanto ao prazo de conclusão das obras?

Elas já deviam estar concluídas. Mas houve mudança da equipa reitoral e neste momento aguardamos que a actual equipa dê cumprimento à finalização do projecto.

Mesmo com atrasos, continua a ser considerada como uma das melhores faculdades da europa?

Em termos de espaços desportivos de raiz, sim. Mas já começamos a sentir insuficiências na repartição de espaços, nomeadamente no que concerne a salas de aulas e anfiteatros, muito por culpa das actividades extra-escolares que aqui desenvolvemos. É preciso muita ginástica. A biblioteca, por exemplo, já não serve as necessidades actuais, quer em termos de armazenamento de volumes quer em número de espaços de leitura.

Chegou a efectuar-se a divisão da licenciatura de Educação Física e Desporto em várias outras licenciaturas, como estava previsto no plano de acção da Universidade do Porto em 1994?

Não. Esse é o modelo utilizado pela Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física de Lisboa, que, para além da licenciatura em Desporto e Educação Física, possui licenciaturas nas áreas de Dança, Ergonomia e Educação Física Especial.
Ao longo do ano lectivo anterior houve uma reflexão interna acerca do plano de estudos da faculdade e verificou-se que não havia necessidade de mudar a sua configuração, que satisfaz completamente os nossos objectivos. Há, sim, uma modificação muito pontual relativamente a algumas áreas de estudo. Foi o caso de Introdução ao Pensamento Contemporâneo, uma nova disciplina do 1º ano, e Gestão do Desporto, uma disciplina semestral anual, que passou a ser efectuada bianualmente. Mas não houve propriamente modificações de fundo.
Foi um período de reflexão no qual se ponderou sobres novas modalidades, novas disciplinas, novas áreas. O que é facto é que algumas delas não têm ainda um conteúdo de conhecimento científico que justifique uma disciplina. É preferível realizar-se acções de formação pontuais nessas áreas, como aconteceu ainda na semana passada com a realização de um seminário subordinado ao tema "Didáctica para Desporto", onde se abordou a produção teórica e prática de desportos pouco divulgados, como patinagem ou badmington.
Mas são áreas de formação importantes, porque quando os nossos alunos chegam às escolas as actividades ultrapassam, por vezes, o âmbito específico do seu plano de estudos. É o exemplo dos desportos radicais, dos desportos de raquete - como o badmington e o ténis - ou de combate, como o judo.
Apesar de não se pôr de parte a possibilidade de contemplar novas disciplinas, elas nunca deverão avançar antes do espaço físico da faculdade se encontrar absolutamente consolidado.

De que forma está estruturada a licenciatura?

Até ao terceiro ano o plano de estudos é igual para todos os alunos. A partir desse ano podem escolher entre a opção de Desporto de Alto Rendimento - em basquetebol, esta especialização é reconhecida pela federação como equivalente a treinador de nível II -, Recreação e Lazer e Educação Física Especial. Esta última é uma área muito reconhecida e com um trabalho exemplar.
Existem também cinco mestrados em Ciências do Desporto: Desporto para Crianças e Jovens, Treino de Alto Rendimento, Desporto de Recreação, Gestão Desportiva e Actividade Física Adaptada.
De resto, mantemos cooperação nos domínios da informação, investigação e intercâmbio de docentes com diversas instituições estrangeiras, bem como com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Em Moçambique, por exemplo, estamos a implementar o primeiro curso de mestrado em Ciências do Desporto e Educação Física.

As Ciências do Desporto são uma área ainda pouco desenvolvida em Portugal?

Um pouco, mas é preciso não esquecer que elas são muito recentes no nosso país, existem há cerca de uma década. Estamos atrasados comparativamente ao nível de desenvolvimento existente em países como os Estados Unidos, Canadá ou Alemanha, mas é preciso reconhecer que numa década houve um avanço muito rápido e acentuado nas Ciências do Desporto em Portugal.
Além disso, as instituições de formação portuguesas são já reconhecidas no estrangeiro e a prova disso é a participação de inúmeros docentes portugueses em congressos internacionais e a assumpção de cargos em diversas sociedades internacionais.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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