Estamos num tempo em que se revela necessário "aprender para o desenvolvimento", na esteira da pouco conhecida "Educação para o Desenvolvimento" (ED). Na época em que se pensava no futuro da humanidade como uma linha ascendente guiada pela ideia de progresso compreendida como sinónimo de crescimento económico, surgia a ED a par dos processos de descolonização do pós-guerra e das campanhas humanitárias subsequentes. Entre os países industrializados e os países designados como subdesenvolvidos ficava estabelecido o elo da Ajuda ao Desenvolvimento. As Organizações Não-Governamentais (ONG) quiseram também participar no movimento de auxílio, em boa parte assegurado pelas várias Igrejas. Visando angariar recursos financeiros e humanos (voluntários) necessários à concretização de projectos nesses lugares distantes foram lançadas campanhas tendo por alvo os europeus. O conceito e a prática da ED conheceriam alterações nos finais dos anos 60, quando a tónica passou para as relações de dependência entre "centro" e "periferia", exigindo-se uma nova ordem económica internacional mais justa. As simples descrições da miséria nos países do então denominado "Terceiro Mundo" foram sendo substituídas por análises sobre as causas e as consequências do "desenvolvimento" e do "subdesenvolvimento". Todavia, em meados de 70, o "norte" no Sul e o "sul" no Norte eram descobertos, colocando em causa aquela divisão simplista e clarificando a ideia de "interdependência". Enfim, havia problemas graves de desenvolvimento, tanto no Norte como no Sul - assim surgiram os conceitos de "falso desenvolvimento" (ou "mau desenvolvimento") e de "desenvolvimento auto-centrado". "Educação para o Desenvolvimento é a educação para a compreensão, a paz e a cooperação internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e às liberdades fundamentais", fixava uma Resolução aprovada pela Assembleia Geral da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO, em 1974. Em plena era da mundialização, com o estabelecimento de tendências económicas hegemónicas à escala global, com o empobrecimento de um número crescente de pessoas, com a revolução tecnológica e, em particular, das comunicações, com o desaparecimento dos regimes socialistas na sequência da queda do Muro de Berlim, com a contínua expansão de um "pensamento único", os desafios de final de século e de milénio vão-se complexificando. Por outro lado, os problemas comuns a todos os homens e mulheres, onde quer que se encontrem, não páram de aumentar e crescem as situações que apelam a soluções globais, de que são exemplos: o fosso crescente entre todos quantos (países, regiões, cidadãos) acumulam riquezas e bem-estar e aqueles que deles se vêem privados, as migrações provocadas pela degradação económica e social e pela violência, a desordem ambiental, os diversos tráficos ilícitos, a violação sistemática dos direitos humanos (de que as mulheres e as crianças são, muitas vezes as principais vítimas), as pandemias. É neste contexto que surge, nos anos 90, o conceito de Educação Global, em especial trabalhado pelo Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. Nele se inclui o posicionamento e a prática face ao desenvolvimento, ao ambiente, aos direitos humanos, e outras áreas tradicionalmente não compreendidas no conceito de ED. Mudar mentalidades e atitudes é um imperativo e, a ED está no centro deste debate. Pretende-se a mudança, a transformação do mundo em que vivemos, que hoje é o planeta e todo o espaço que o envolve. O seu horizonte inscreve-se na ideia de "educação ao longo da vida", porque para mudar é preciso conhecer, compreender, escolher, tomar decisões, assumir compromissos, criar alianças, arriscar, reflectir, avaliar, recomeçar sempre, sem desistências. O cerne da ED é a opinião pública e, o objectivo é ajudá-la a reflectir e capacitá-la para agir no sentido da alteração de situações geradoras de desequilíbrios e de injustiças a nível individual e colectivo. De sectores específicos da opinião pública, que somos todos nós, podem surgir a perspectiva crítica, a convicção, a capacidade reivindicativa e os meios (lobby e advocacy ) para enfrentar os poderes, a fim de se estabelecer um diálogo que implique, sempre que necessário, a mudança de decisões. Hoje, educar para o desenvolvimento é uma tarefa urgente em todas as sociedades, do Norte como do Sul. Se bem que seja uma educação na acção, pela acção e para a acção, não há modelos, tão-pouco receitas de "como fazer" - o conhecimento das pessoas, das situações, dos desafios que se colocam em cada espaço e em cada momento, as opções quanto aos objectivos que se querem alcançar constituem os pontos de partida essenciais. As ligações privilegiadas serão aquelas que se podem estabelecer entre o individual e o colectivo, entre o local e o mundial, entre o passado e o futuro, sendo fundamentais as alianças entre actores e iniciativas de países do Norte e de países do Sul, entre projectos e programas de Cooperação para o Desenvolvimento e de Educação para o Desenvolvimento. É cada vez mais possível e frequente a criação de "parcerias" e de "redes", que aproximam e motivam, para a acção, pessoas e organizações com preocupações e objectivos comuns. As escolas, os sindicatos, grupos informais, associações de cidadãos de todo o tipo, podem e devem ser promotores activos da ED. De facto, cada vez mais, os homens e as mulheres parecem ambicionar mais do que apenas aguardar o futuro. As ONGD, por natureza mais ligadas às questões do desenvolvimento e aos desafios concretos que elas colocam em vários continentes, têm potencialidades específicas para estabelecer elos e contribuir para a criação de sinergias neste domínio. Contudo, não pode haver uns que educam e outros que são educados, o que se exige é uma atenção mútua e trocas permanentes, daí a necessidade de se recorrer também a materiais e informação produzidos em países do Sul, os quais nos aproximam, apesar da barreira que, por vezes, a língua pode constituir. Educar para o desenvolvimento exige a compreensão da situação internacional, do mundo tecido por inter-relações e por interdependências, mas que é, em simultâneo, marcado por desigualdades, desequilíbrios e desordens gritantes. Uma palavra para os professores, os formadores, os educadores: é necessário mais um esforço no sentido de promovermos em vez da "egocidadania" a "ecocidadania", que o mesmo é dizer, estimular as finalidades comuns em detrimento das que se situam no âmbito estritamente pessoal, colocando em harmonia o ser humano e a natureza de que é, tão-só, um dos elementos. Disse alguém que nós, os humanos, somos os arquitectos do futuro, do nosso e do mundo, compreendidos neste o mundo planetário e o da nossa aldeia. Para esta construção precisamos antes de tudo de tomar consciência do nosso papel e, de seguida, é imperioso que assumamos os nossos compromissos inerentes a tal realização. A Educação para o Desenvolvimento dá-nos uma boa ajuda. Elisa Lopes da Costa CIDAC/Lisboa Para saber mais:
- A Educação para o Desenvolvimento no processo de transformação em África - Actas do Atelier Sub-Regional, Bissau, 23 /27 Janeiro 1995, Lisboa, CIDAC/Tiniguena, 1996.
- Bruno Riondet, Éducation au développement, Paris, CNDP-Hachette Livre, 1996.
- Cambiare il Mondo - Rassegna di esperienze di Educazione allo Sviluppo, Bologna, Solidarietà Internazionale, 1994 (ed. trilingue).
- Development Education: Global perspectives in the Curriculum, ed. by Audrey Osler, London, Council of Europe, 1994.
- Guia das ONGD, Lisboa, Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento, 1997.
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