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"Trabalho Infantil" na Ordem do Dia

Factores de natureza diversa têm vindo a convergir para colocar a realidade do "trabalho infantil" nos títulos da comunicação social e, progressivamente, na primeira linha das preocupações do Governo, dos parceiros sociais e de algumas ONG's.
Os últimos dias conheceram um momento forte de todo este processo, com a discussão e divulgação dos resultados da primeira fase do "Inquérito ao trabalho infantil em Portugal", coordenado pelo departamento de estatística do Ministério do Trabalho e da Solidariedade.
O interesse e a importância deste inquérito relevam do facto de se tratar do primeiro e único estudo do género, realizado num país europeu (excepção feita à Itália, que tem em curso uma iniciativa semelhante), acompanhado, desde o início, por diferentes entidades nacionais e avalizado pelos técnicos da Organização Internacional do Trabalho.
Alguns resultados já conhecidos vêm confirmar, no essencial, a percepção que têm do problema muitas pessoas e entidades que, ao longo dos últimos anos, estas procuraram identificar situações "no terreno" e encontrar, para as mesmas, as soluções possíveis.
Num estudo sem par, com uma amostra de 26 mil famílias (com menores em idade escolar, cuja opinião foi ouvida), incluindo não só o trabalho domiciliário, mas também algumas ocupações domésticas e a participação nas feiras agrícolas, dissipam-se de vez as especulações infundamentadas que, em 1994, fizeram fé no Senado Americano -- este citava 200 mil crianças a "trabalhar" em Portugal.
A preocupação de emparceirar Portugal com países de África, da Ásia e da América Latina, onde o fenómeno se reveste de formas intoleráveis e atinge proporções alarmantes, levou à consideração, pelo Conselho da Europa, de um absurdo: 1,76% da população activa portuguesa era constituída por crianças trabalhadoras!
Alguns "lobbies" internacionais, com interesses que nada têm a ver com os direitos dos menores, obviamente esfregavam as mãos de contentamento, denegrindo a imagem da indústria e dos empresários portugueses, e estimulando discursos fundamentalistas que em nada contribuíram para resolver o problema. Pelo contrário, transferiram encomendas das nossas firmas exportadoras para outros países europeus.
Segundo este inquérito, a grande maioria dos adolescentes que "trabalham" concorda com a actividade que exerce e até declara gostar de a fazer. Assim, dever-se-á retirar daqui alguma ilação para a organização de respostas sociais e para as necessárias transformações ao nível da escolaridade básica, considerada obrigatória.
Com a ressalva dos parágrafos anteriores, ser-nos-á mais fácil admitir -- sejam quais forma os números apresentados -- que eles não podem justificar nenhuma espécie de triunfalismo: uma única criança explorada pelo trabalho, privada da sua infância e com o seu futuro comprometido, deverá ser motivo da nossa vergonha e preocupação.
A situação piora ao saber que em Portugal são dezenas de milhares que ainda não vêem respeitado o direito consagrado no art.º 32 da Convenção dos Direitos da Criança a "ser protegida contra a exploração económica ou a sujeição a trabalhos perigosos ou capazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social".
E se o conceito de "trabalho infantil" pode, por vezes, aparecer eivado de ambiguidades, a noção expressa neste instrumento da lei internacional, que, desde há dez anos, inspira também o nosso quadro legislativo, não pode oferecer quaisquer dúvidas. Nele se firma uma base sólida para a congregação de esforços dos organismos públicos, das associações de trabalhadores de empregadores, das ONG's e de todas as pessoas de boa-vontade, numa luta sem tréguas contra um crime inqualificável, porque exercido sobre crianças indefesas.

Pereira Cardoso
Director Adjunto do Plano para a Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil e Coordenador das Equipas de Intervenção Concelhia nas regiões do Norte e do Centro


  
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Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

Pereira Cardoso
Director Adjunto do Plano para a Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil e Coordenador das Equipas de Intervenção Concelhia nas regiões do Norte e do Centro
Pereira Cardoso
Director Adjunto do Plano para a Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil e Coordenador das Equipas de Intervenção Concelhia nas regiões do Norte e do Centro

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