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"Desassossegando Espíritos Quietos" (I de III)

DO MARQUÊS DE POMBAL
A MARIA DE LURDES PINTASSILGO...
(Onde se fala também do Subsídio Literário, das Juntas Escolares,
de certo Senhor de Santa Comba
e se termina invocando a loucura do mundo)

" Não há crianças estúpidas; o que há é educações imbecis."
Raoul Vaneigem, "Aviso aos Alunos do Básico e Secundário"

O século que está a terminar pode ficar para a posteridade por muitas razões. Pode até ser o século da explosão da Educação. Não será, decerto, o século em que a Escola dá o salto para modelos organizacionais que vão de encontro às necessidades dos jovens. A escola manteve durante todo o século XX muito do pulsar mais profundo do seu velho espírito do século XIX, como salientou recentemente Maria de Lurdes Pintassilgo.
Falarmos da escola em Portugal é referirmo-nos a uma instituição marcada por avanços e recuos, ao sabor de interesses e poderes marcadamente centralizadores, como a Igreja e o Estado. Se recuarmos um pouco no tempo e nos situarmos na época pombalina, deparamo-nos com a época em que o Ensino deixou de estar nas mãos da Igreja para passar para as do Estado.
De Agentes da Igreja, os professores transformaram-se em Funcionários do Estado. A Educação era uma questão de poder que Pombal chamou a si. O povo passou a pagar a Educação nacional através do Subsídio Literário, lançado especialmente sobre os vinhos e aguardentes, pelo que era o mundo rural a financiar o urbano.
A funcionalização da profissão docente manter-se-á inalterável durante séculos e se durante a Primeira República se desenhou alguma tendência para a descentralização, durante o Estado Novo atingiu-se o cume centralizador. O estatuto de funcionário público garantia aos professores a estabilidade do seu vencimento e a independência face aos pais dos alunos e às comunidades onde exerciam a sua actividade. É durante as primeiras décadas deste século que os professores começam a manifestar a necessidade de se organizarem com independência relativamente às questões pedagógicas e à participação na gestão do sistema educativo.
As Juntas Escolares, criadas nessa época, assumira-se como espaços importantes de organização e discussão dos docentes, com manifestos apelos à melhoria das condições de formação inicial e contínua, maior autonomia na escolha dos conteúdos programáticos e pela aquisição de um estatuto sócio-profissional mais prestigiado, enfim, pela profissão de professor. Estas condições reclamadas pelos professores estavam voltadas para uma escola diferente.
Porém, com a instauração do Estado Novo a escola recebeu um dos mais duros golpes de que há memória e todas estas reivindicações caíram por terra.. Os professores não deviam ser mais do que funcionários que servissem como correia de transmissão e da ideologia do Estado Novo.
A profunda desvalorização que Salazar dedicava aos professores e à função docente está bem expressa nas suas declarações sobre a sua instrução primária em Santa Comba Dão:
Meu pai, aborrecido porque eu não fazia grandes progressos, tirou-me da escola e mandou-me ensinar por um homenzinho que dava lições particulares num compartimento da sua casa térrea. (António Nóvoa, Os Professores O Que São, De Onde Vêm e Para Onde Vão, 1989)
É esta escola da instrução primária, a quem compete ensinar a ler, escrever e contar, para o efeito meticulosamente concebida e equipada, que chega até aos nossos dias.
Se com a Revolução de Abril as escolas do 2º e 3º CEB e do Ensino Secundário se organizaram com alguma autonomia, rompendo com o passado, as escolas do 1º CEB passaram incólumes a tudo isso. O Decreto-Lei 43/89 foi publicado e este sector foi isento de autonomia... Como se pertencesse a outro mundo. Um desenho esbatido de democracia no 1º CEB apareceu com a eleição dos elementos das Delegações Escolares (para manter os mesmos) e a criação dos Núcleos de Apoio Concelhio, que haveriam de ser destroçados por um primeiro, breve e leve sopro.
Uma das principais causas da actual situação do 1º CEB tem a ver exactamente com a pseudo-gestão exercida pelas Delegações Escolares. Estas controlam à distância (quando tudo vai bem) todas as escolas de um concelho, sem meio nem condições para tal. A maior parte não dispõe de verbas para o envio de correspondência às escolas. Do mesmo modo, as escolas vivem há décadas com verbas absurdas, fazendo rifas e cantando os reis para se financiarem...
A transferência de algumas competências para a responsabilidade das Câmaras Municipais, foi a descarga de um enorme fardo do poder central. A descentralização não teve como preocupação a melhoria do funcionamento das escolas e nem mesmo as responsabilidades que se mantiveram sob tutela do Ministério da Educação tiveram melhor tratamento. A rede escolar é um retrato fiel do que acabámos de referir, que sempre favoreceu o isolamento e a disseminação: antes e depois da instauração da democracia. À medida que a necessidade de novas escolas ia surgindo, por pressão do aumento demográfico, em vez de se buscar uma nova Escola foram aparecendo as nº 1, as nº 2, as nº 3, etc, etc, etc.
Se pensarmos como mudou Portugal e como a Escola não mudou ficamos alarmados. Hoje vivemos numa sociedade transbordante de informação, de uma evolução tecnológica desenfreada, do primado da Economia que põe na ordem do dia o Euro e a União Europeia. Vivemos numa sociedade em que se acentuam as desigualdades, onde o exército de excluídos vai engrossando, onde a perspectiva individualista prevalece sobre uma visão solidária do mundo. No entanto, Portugal deixou de ser o país mais atrasado da Europa para se tornar naquilo a que Boaventura Sousa Santos chama de sociedade de desenvolvimento intermédio (Pela Mão de Alice).
Para além disso, a escola portuguesa ainda não encarou de frente o problema levantado pela alteração radical do papel da mulher na sociedade e pela introdução de novos modelos de família. Houve mesmo quem considerasse o século XX como o século da emergência da mulher. A escola esquece-se que as mulheres trabalham e que muitas vezes são o pilar essencial e básico de famílias monoparentais.. A juntar a estes factores, já suficientemente perturbadores de uma estrutura sólida de décadas e décadas, junta-se o facto de este período coincidir com a massificação do acesso à educação, com todos os problemas que esta mescla de perturbações traz a um sistema tão habituado à estabilidade como é o Sistema Educativo.
O mundo está demasiado louco para uma instituição tão avessa a loucuras como a escola. O modelo de escola que temos e que discutimos nos mais variados espaços está à beira da falência. Esgotou-se em si próprio. Obviamente.

Elisa Miranda, Teresa Matos, Carlos Coelho e José Faria
Braga


  
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Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

Carlos Coelho
Professor, Braga
Elisa Miranda
Professora, Braga
Carlos Coelho
Professor, Braga
Elisa Miranda
Professora, Braga

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