Página  >  Edições  >  N.º 78  >  Pais Nossos Preocupados

Pais Nossos Preocupados

Editorial de Março de 1999

Chegam à nossa redacção apreciações sobre este jornal. São apreciações e críticas importantes para a orientação editorial. Mantemos, desde há dois anos, uma edição na Internet. Esta última via tem originado uma maior diversificação do tipo de leitores que se dirigem à direcção e redacção do jornal. Já não são só os professores e educadores a dirigirem-nos a palavra, mas também os estudantes e os pais. Os estudantes pedem-nos sobretudo apoio para trabalhos que estão a realizar. Quanto aos pais, de um modo geral, consideram que damos pouca atenção aos problemas dos pais com filhos na escola e, frequentemente, queixam-se do "corporativismo" dos professores.

Não é necessário uma leitura muito atenta para verificar que alguns dos pais-leitores-que-nos-escrevem participam em Associações de Pais. Isso nota-se pela linguagem cifrada, e pelo modo desenvolto como citam Decretos e outros dispositivos legais. Nalguns casos parece haver um desejo oculto - uma certa mágoa - por não serem nomeados "reitores" ou "directores" das escolas. Será uma situação semelhante à do árbitro que o é porque não conseguiu ser futebolista de sucesso? Seja como for parece-me que as Ciências da Educação têm trabalhado pouco sobre os pais que participam nestas associações, pelo menos se compararmos com o que se tem dito e escrito acerca dos pais que não comparecem na escola. É um campo de investigação que parece merecer maior atenção.

Dou razão aos pais que nos criticam por não abordarmos de forma directa, e sistemática, este ou aquele dispositivo legal. Não o fazemos por entendermos que essa não será a melhor forma de contribuir para a compreensão dos fenómenos que envolvem a escola e o sistema educativo. Mas se não o fazemos de forma sistemática e predominante, também não recusamos fazê-lo numa ou noutra situação. Mas reconhecemos que preferimos dar voz às pessoas - pais, alunos, professores, investigadores, cidadãos - sobre o que pensam, fazem e querem, em vez de nos pormos nós a dar palpites sobre Leis, Decretos e respectivos pontos, parágrafos e alíneas. Que interesse têm as querelas entre a menina alínea a) e a menina alínea c) ou a arrogância com que o senhor parágrafo 5º contradiz o senhor parágrafo 1º? Não é desconfortável ver a Dona Lei de Bases ser desconsiderada e desrespeitada por um qualquer senhor decreto? Deixemos que alguns façam carreira a por em evidência as contradições entre estas donas, senhores, meninos e meninas ou a mostrar que tais eminências estão em acordo e são quem manda.

Este mês, alguns pais, criticam-nos por não darmos uma "opinião frontal" sobre o Decreto que regulamenta a "Autonomia, Direcção e Gestão das Escolas". Dizem-nos que se não o fazemos é porque defendemos o "corporativismo" dos professores, por oposição à bondade das Associações de Pais. Como criticam por email têm acesso à Página na Internet. Sugiro que leiam este jornal e pesquisem os mais de seiscentos artigos disponíveis no arquivo do "site" de "a Página". Encontrarão bastante material de reflexão. Sobre o Decreto, não encontram textos sobre "bons" e "maus". Nem artigos preocupados com as pequenas lutas de poder em que tantas vezes se perdem instituições, associações, grupos e pessoas.

Alguns pais acusam os professores de serem "corporativistas" e de os impedirem de participar, de forma mais aprofundada, na direcção das escolas. É possível que tal acontece num ou noutro caso. Mas uma coisa me parece verdadeira: os professores não impedem os pais de serem pais. Nem as mães de serem mães. Nem os avós de serem avós. Talvez o problema esteja mais em casa do que na escola. Sem descurar a sua atenção crítica e participativa na escola, talvez não fosse mau que as associações de pais se preocupassem também com a educação fora dos muros da escola.

A educação é um fenómeno de muitas cores e gradações de cor. Dependerá das tintas, do suporte onde elas se aplicam e não dispensa os artistas. E artistas somos todos: pais, alunos, professores e outros. É lamentável se nos reduzimos às pequenas lutas sobre quem manda mais e quem manda menos na escola. Se o problema é o de saber quem é mais importante, cá para mim não são nem os pais, nem os professores mas os alunos. E que consideração têm os estudantes no tal decreto? Foi feito a pensar só na sua formação? Não será mais uma medida para servir uma certa clientela que vota?

Intriga-me sobretudo que me escrevam a falar de pais e de professores. Destes sei que são profissionais de um certo ofício. E desta profissão, e do que a envolve, temos dado conta neste jornal.
Pais sabemos que são todos aqueles que têm filhos. O que me parece mais difícil de compreender é essa entidade chamada o-pai-que-representa-os-pais. Entidade capaz de falar e de reclamar em nome dos pais e das mães de todos os nossos alunos. Entidade corajosa? Ingénua? Sábia? Atrevida?...
Escrevem-me alguns não em seu nome, mas em nome dos pais. Mas de que pais? Dos pais-presos? Dos pais-banqueiros? Das mães-prostitutas? Dos pais-empresários? Dos pais-professores? Das mães e dos pais que recebem um salário mínimo nacional a troco de oito ou nove horas de trabalho diário? Dos que vivem em bairros de lata, nos bairros camarários ou nas "Ilhas" do Porto? Ou é dos pais e das mães a quem não chega um salário mínimo para pagar um jantar a dois?... Meus amigos, que pais representam? Que culturas representam? Que línguas representam? Que valores representam?... A vossa critica é em nome de que pais? Dos marginalizados? Dos desempregados? Dos que sobrevivem à custa de suor e imaginação? Da pequena burguesia? Da classe média? Da grande burguesia? Da aristocracia? Dos que têm fé? Dos que a perderam? Dos que têm um deus? E que deus? Dos que não têm deus? Dos que acreditam na ciência ou dos que não conhecem semelhante palavra?... Em nome de que pais me escrevem? É que todos estes pais, e muitos outros que não é possível aqui lembrar, são os pais e as mães dos nossos alunos. São eles e os parentes e amigos deles que dão a cada um dos nossos alunos a cultura do berço. Aquela primeira língua que nós professores procuramos compreender e respeitar e a partir dela começar a trabalhar.

O trabalho de professor. A observação - dos meus alunos e alunas - estendida no tempo; o pensar o meu trabalho e o trabalho dos meus companheiros de profissão, não me deram nenhuma certeza. Algumas verdades sim. Mas verdades só no sentido em que são ponto de chegada no momento da decisão inevitável, mas, terminada a acção, de partida imediata para a procura de um novo entendimento das coisas. Por isso me espantam as certezas sobre educação escritas nas vossas cartas. Espantam e assustam. Como assustam as certezas transportadas por alguns professores.

Sei que não sou capaz de responder às vossas cartas. Não posso. Não consigo ver a escola como ilha ou "jangada de pedra" conduzida pelas certezas de uns quantos pais, políticos e professores. A escola é apenas mais um dos elementos que permite a vida às comunidades. Elemento frágil que todos temos de cuidar. Não isoladamente mas no todo de que faz parte.
Será que exige desconfianças, insultos e certezas? Não me parece. Algumas verdades sim. As que formos capazes de ir construindo e reconstruindo juntos. Não para construir o futuro, mas o presente. Ainda sem certezas, parece-me que em educação, o futuro começou sempre há muito tempo.

José Paulo Serralheiro


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 78
Ano 8, Março 1999

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo