Página  >  Edições  >  N.º 77  >  Biografias Breves de Alguns Escritores Portugueses

Biografias Breves de Alguns Escritores Portugueses

Comecemos por dizer que o presente livro nasceu de uma "encomenda" feita directamente pela editora, no sentido de promover e divulgar alguns dos autores que a "Escritor" tem publicado nestes últimos anos. Mas esse sentido de encomenda apenas teve a ver com a escolha dos nomes de quem aparece biografado e não com os propósitos literários que pessoalmente assumimos na definição dos traços mais expressivos de uma dezena e meia de escritores portugueses, ainda na lembrança destas palavras de Raul Brandão numa carta a Albino Forjaz de Sampaio, enviada em Maio de 1930, pouco antes da sua morte: "Devo confessar-lhe que muitas vezes digo a mim mesmo: que me importa que um homem seja um grande escritor! A primeira coisa seria definir o que é um grande escritor. Pode escrever-se muito mal e ser-se um grande escritor - Dostoievski, por exemplo, que passou a vida a lamentar-se
de não ter tempo nem dinheiro para escrever como o senhor Tolstoi. E pode escrever-se muito bem sem que isso baste para se ser um grande escritor. Escrever bem é às vezes horrível".
Na vaga confusa de um certo marquetingue editorial que é feito pela maioria das nossas editoras e tem encontrado eco ou merecido a atenção dos meios de comunicação social, o exemplo actuante e persistente da "Editorial Escritor" em divulgar apenas obras de autores portugueses (e muitos deles assinalando mesmo a sua estreira literária) deveria merecer outra atenção por parte daqueles que se dizem "agentes culturais" e quase sempre se mostram atentos para fazer incidir a sua preferência apenas nos livros de autores mais conhecidos, mas nem por isso de maior qualidade em relação a alguns dos livros que até agora foram publicados com a chancela da "Escritor".
Ontem e hoje, é verdade, continua a observar-se uma certa confusão de critérios para se definir o que é "bom" ou o que é "mau" em termos literários absolutos, mas sem que tal facto signifique, de uma vez por todas, que essa cotação de valores é definitiva ou de outro modo melhor se justifica dentro de certos postulados estéticos. Sempre foi assim. No entanto, o que é hoje tido por "bom" (e mediático) pode amanhã ser tido por "mau" (e esquecido). Isto para nos referirmos apenas à literatura, uma vez que quanto às outras artes se verifica o mesmo fenómeno. E daí, pois, que valha a pena lembrar a quem de tudo isso se esquece quando promove só o que têm mais à mão (ou é mais fácil pela soma de referências, pistas, informações, entrevistas, etc.) e está no espírito das suas conversas e encontros, como foram "grandes" escritores (e de público assegurado) os nomes e obras de Abel Botelho, Júlio Dantas, Manuel Ribeiro, Antero de Figueiredo, Américo Durão, Ferreira de Castro e outros, mas como tantas vezes se esqueceram na sua própria época as obras exemplares de Raul Brandão, Manuel Laranjeira, Florbela Espanca, Irene Lisboa, Afonso Duarte, António Pedro ou Marmelo e Silva, que hoje se evocam, estudam e editam com grande interesse por parte de outros críticos e leitores.
Ora, neste conjunto de escritores que se retratam em O Acto e a Letra, podemos nas suas linhas essenciais achar razões de sobra para dizer como não se compreende o silêncio ou a indiferença da crítica perante obras que, repetimos, em nada se afirmam inferiores a outras que andam por aí tão badaladas devido a influências e conluios de um mútuo entendimento. Mas o que na verdade sempre se deve impor é o juízo crítico imparcial e isento, a abordagem séria e descomprometida das obras e não o silêncio ou a pura ignorância de autores que se posicionam na literatura com uma dignidade que em certos casos não pede meças a outros nomes sonantes da nossa praça literária.
Não desejamos ser polémicos, mas há coisas que se não podem calar, porque entendemos que a crítica, quando exercida de uma forma honesta e independente, é o modo imediato de dialogar com o próprio livro e pelas notas e observações fazer depois o seu juízo crítico. Mas, como faca de dois gumes, a crítica também pode exercer alguma influência e retomar por outros caminhos a discussão dos mesmos problemas, sempre na perspectiva do crítico que estabelece para cada livro que lê a sua opção dentro de um gosto literário e forma de considerar e interpretar os problemas. Portanto, a crítica é um prolongamento do mesmo fenómeno de criação ou afirmação literária quando não se revela enfeudada a "grupos" ou "particularismos" e não se subordina - como em geral acontece - a interesses ou compadrios de vária ordem. Por isso, a crítica não se deve aceitar como "veredicto" ou expressão de um modo de ler que enaltece, censura ou condena uma obra literária. Mas, na ausência de uma pessoal escala de valores, a maioria das críticas parece enfermar de um certo "radicalismo" que lhes retira independência e clareza, porque a cada passo se deixa entusiasmar por obras dos mesmos autores, elogia ou promove apenas os compadres da sua confraria. Assim, repetimos que só entendemos a crítica como valorização cultural que se deve praticar longe de todos os sectarismos ideológicos e pessoais e não obedecer a falsas interpretações e excessiva valorização de obras e autores que muitas vezes não merecem a melhor aceitação do público (e, se a têm, muitas vezes é tão-só como efeito de um bem montado marquetingue editorial), uma vez que nos últimos anos se têm promovidos livros de fraca qualidade literária como se fossem, na opinião de alguns críticos no activo, obras de primeira água. E tantas vezes o não são, e isso é sabido.
Mas o que em O Acto e a Letra melhor sobressai são os aspectos primordiais da "aventura" de cada escritor, sem importar definir se é ou não é grande, se tem ou não muitos leitores, porque o que se impõe é a qualidade literária das suas obras e nalguns casos é desde há muito reconhecida pela crítica sem que por vezes os leitores correspondam a essa aceitação. Por isso, o que mais interessou pôr em relevo foi o sentido próprio de cada autor, seja ele mais ou menos consagrado. Para lá do prestígio que se alcança, o que mais sobreleva é a qualidade intrínseca da obra produzida e, no fim de contas, a verdade e o rigor que cada um coloca naquilo que cria, escreve e emenda sem cessar. Claro, além da aceitação do público ou da crítica, o que importa é compreender a dimensão de um escritor, reflectida nos livros que publica e dele conhecemos.
Assim, julgamos que é isso o que melhor se evidencia nestes retratos de corpo inteiro de vários autores que a "Editorial Escritor" tem publicado com regularidade (com merecido destaque para Alberto Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, António Ramos Rosa, Jorge Reis, Luiz Pacheco, Rentes de Carvalho, Manuel de Seabra, Leonilde Leal, Yvette Centeno, Maria Rosa Colaço, Modesto Navarro e Fernando Miguel Bernardes), mesmo que em certos passos não importasse colocar em relevo alguns pormenores talvez mais interessantes da sua pessoal aventura. Mas também não se deve pensar que muitos foram os eleitos e poucos os escolhidos. Nada disso. Apenas tivemos de ajustar o nosso critério às dimensões do próprio livro para que as biografias fossem breves e não excessivas.

Serafim Ferreira
crítico literário

O ACTO E A LETRA
Biografias Breves
Editorial Escritor / Lisboa, 1998.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 77
Ano 8, Fevereiro 1999

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo