Respeitar e ser respeitado Aqueles que têm acompanhado a reflexão proposta neste mesmo espaço ao longo dos últimos meses terão encontrado já o fio condutor das ideias que tenho vindo a expor. Ele radica no reconhecimento do estatuto ético da relação educativa enquanto relação interpessoal marcada por uma intenção e por um projecto. Marcada portanto pelas dimensões de desejo e de responsabilidade que devem estar presentes em toda a aventura educativa. Para que possamos despertar outros para essa aventura, ajudando-os a afirmarem-se como sujeitos de uma aprendizagem contínua é necessário que, acima de tudo, os respeitemos como pessoas. Como seres naturalmente incompletos que, como os demais humanos, vivem tacteando na procura de si mesmos. Uma procura necessariamente desenvolvida em sociedade, recebendo o testemunho de caminhos já percorridos, partilhando prazeres e dificuldades, sonhando tempos ainda futuros e juntando vontades quando a vida assim o reclama. O processo educativo alimenta-se desta trama humana, fecundando-a. Do ponto de vista dos educadores, esse respeito deve ser vivido como um dever, como tantas vezes é sublinhado, mas também como um direito. O direito a ver a sua dignidade pessoal e profissional reconhecida e valorizada pelos educandos, pelos respectivos encarregados de educação e por toda a sociedade. Como ironiza Savater (1997), se atendermos ao aparente consenso público em torno da relevância da educação somos tentados a pensar que os educadores são os profissionais melhor tratados pela comunidade, os melhor remunerados e aqueles que merecem mais audiência nos meios de comunicação. Paradoxalmente, não é isso que acontece. Nunca é demais lembrar que o respeito que o aluno manifesta na escola começa em casa. Começa no tipo de imagem de escola e de professor que a própria família projecta e valoriza. Sem querer remontar a tempos idos em que o respeito andava a par do temor, julgo que é urgente recuperar uma imagem positiva do professor. É verdade que a figura do professor já não personifica um modelo, nem representa a autoridade do saber acumulado ao longo de gerações. Aqui, como em tantas outras esferas da vida, a tradição deixou de ser o que era. É preciso pois que aprendamos a relacionarmo-nos com a novidade do tempo. O que da nossa parte implica, precisamente, a disponibilidade para nos deixarmos ensinar. Implica, portanto, a disponibilidade para acolher e valorizar a presença daquele que ensina. Porque por mais sofisticadas que possam ser as tecnologias ao nosso dispor, por mais diversificadas que sejam as ofertas educativas na sociedade do conhecimento, nada poderá substituir a presença desse adulto que dá testemunho de uma experiência e de um saber, que explica e que interpela, abrindo caminho a verdades desejadas. É por esta, e por muitas outras razões, que o respeito que é devido aos professores é justo e justificado. Ainda que, como salientei noutro artigo, este respeito não possa ser cobrado ao nível da relação pedagógica. O respeito não pode ser regateado. O respeito que, enquanto educadores, devemos aos alunos é um direito deles. Parafraseando Jankelévitch (1981), os direitos do outro devem ser tomados como o primeiro dos nossos deveres, os mais urgentes e os mais necessários, mas os seus deveres nunca podem ser cobrados como nossos direitos. De contrário estaríamos a perverter toda a lógica educativa. Como podem então os professores fazer-se respeitar ? Esta é sem dúvida uma das grandes questões que nos preocupam hoje. Uma questão que remete para a análise de conceitos como o de disciplina e de autoridade e que, pela sua evidente pertinência, pede outra reflexão. Cabe no entanto aqui afirmar que a escola, enquanto lugar educativo por excelência, não pode demitir-se de promover a aprendizagem das formas mais elementares de respeito, a começar pelas chamadas regras da boa educação. Falo dos gestos de cortesia, como o desejar os bons dias, dar o lugar ou o ceder a passagem. Falo da generosidade e da delicadeza que podemos por nas palavras, da hospitalidade do sorriso, da humildade de certos silêncios e de toda uma série de pequenos nadas que tornam o outro mais próximo. O sentido de humanidade não sai obscurecido apenas das grandes cenas de horror, de ódio e de violência ligadas a fenómenos como a guerra ou a pobreza. O sentido de humanidade é também posto em causa sempre que nos ignoramos e nos atropelamos nas esquinas da vida. A escola pode, e deve, assumir-se como lugar onde se é respeitado e se aprende a respeitar. E para isso não nos bastam os códigos e os regulamentos. As regras, por mais justas e justificadas, por mais consentidas, serão sempre apenas regras. Serão sempre princípios formais que não dispensam o exercício crítico de uma consciência ética necessariamente vigilante e inquieta. O respeito de que falo, e que se traduz também na simplicidade dos pequenos gestos, requer o exercício intersubjectivo da humanidade enquanto prática de relação, de diálogo e de aproximação entre seres diferentes mas não indiferentes. Requer, em suma, o reconhecimento do humano pelo humano. E, não o esqueçamos, em matéria de humanidade nada pode substituir a lição que nos é dada pelos próprios humanos. Neste caso, pelos sujeitos professores.
Isabel Baptista Universidade Portucalense / Porto Referências bibliográficas Savater, F.1997. El valor de educar. Barcelona. Ed. Ariel. Jankelévitch, V. 1981. Le paradoxe de la morale. Paris. Seuil.
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