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Trabalho infantil - uma questão de direitos humanos

Trabalho infantil - uma questão de direitos humanos

Uma leitura atenta dos principais jornais, diários e semanários, nacionais durante o corrente ano permite-nos verificar que tem sido prestada maior atenção à questão do trabalho infantil, em comparação com o que sucedia nos anos anteriores - talvez seja um dos frutos da Campanha Mundial denominada «Marcha Global contra o Trabalho Infantil» que correu mundo durante parte de 1998. Trata-se, com frequência, de alertas importantes, e vem-nos à memória, entre outros, problemas de acidentes geradores de deficiências, incapacidades permanentes ou mortes, em crianças ou jovens feitos adultos 'à força'.
Não há desculpas, todos somos responsáveis. É que, em regra, o trabalho infantil é também uma questão de direitos humanos. De facto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos diz no seu artigo 26, 1. "Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. (…)".
Os números não enganam, a actual geração de jovens é a maior da história. Em cada 6 habitantes do planeta 1 tem idade compreendida entre 10 e 19 anos, e estamos a falar em cerca de mil milhões de adolescentes.
Porém, em 1997, calculava-se que no mundo havia 140 milhões de crianças, com idades entre os 6 e os 11 anos, que não frequentavam uma escola e, aproximadamente o mesmo número, abandonava-a antes de completar a instrução primária. Ora, o contingente da mão-de-obra infantil alimenta-se, em grande parte, destes jovens. Àqueles acrescem diversos milhões que procuram equilibrar a frequência escolar com as exigências do trabalho, com destaque para as meninas.
Muitas crianças e as suas famílias vêem a escola como um espaço sem condições para lhes abrir horizontes, melhorar as suas oportunidades ou reforçar as capacidades individuais. E, é inevitável, o desencanto conduz ao abandono extemporâneo.
Para que a educação básica desincentive o trabalho infantil as famílias mais pobres devem ser apoiadas com recursos financeiros específicos, dado que, quanto menor é o nível de vida familiar mais curta é a duração da escolarização. Contudo, não se pode perder de vista o facto de a instrução dizer respeito, em primeiro lugar, à infância.
Se é verdade que um processo educativo prolongado reduz a probabilidade de abandono e pode impedir que a criança seja exposta precocemente ao trabalho, não é menos certo que os resultados duradoiros produzidos nos jovens pela escolarização estão directamente relacionados com o prazer na aprendizagem, e com o facto de eles se sentirem bem na escola.
Por outro lado, devido a preconceitos de carácter cultural, social e económico ainda hoje, das crianças que não frequentam a escola, em todo o mundo, as raparigas representam dois terços. Logo, é fundamental que tanto os professores quanto os materiais usados no ensino sejam sensíveis às questões de género, e prestem a máxima atenção aos estereótipos que envolvem, de uma forma particular, o sexo feminino. Assim se reforçará a autoconfiança das jovens e será possível manter parte delas, por mais tempo, na escola.
Em 1990 (menos de um ano decorrido sobre a adopção da Convenção dos Direitos da Criança) as Nações Unidas reuniram dirigentes de 159 países num encontro mundial pela criança, durante o qual foi assinado um Plano de Acção para a década de noventa e a "Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Protecção e o Desenvolvimento da Criança". O compromisso que consta do parágrafo 20, ponto 7, é explícito: "Trabalharemos pela protecção especial às crianças trabalhadoras e pela abolição do trabalho infantil ilegal". No limiar de nova década, e esta pertencente a um novo século de outro milénio, apenas diremos que se impõe que tal compromisso seja cumprido, uma vez que assumido já foi.
Até hoje, de um modo geral, os sistemas educativos formais resistiram, com mais ou menos intensidade, a adaptar-se às condições dos jovens trabalhadores. Gera-se assim a exclusão das crianças já antes abandonadas pelo próprio sistema escolar. Por isso, é necessário haver flexibilidade e o segredo talvez esteja em conciliar abordagens entre os programas formais e os informais, estes com todo o seu rol de oportunidades que, de outro modo, serão perdidas.
De acordo com a UNICEF, colocar todas as crianças na escola até ao ano 2000 significaria uma verba inferior a 1% das despesas mundiais com armamento durante um ano! Paradoxalmente, a tendência geral parece continuar a ser dar resposta aos sintomas do mal em vez de o extirpar pela raiz.
De acordo com a Directora executiva da UNICEF, Carol Bellamy, as melhorias conseguidas em nome das crianças nos últimos cinquenta anos eram difíceis de imaginar quando da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ao celebrarmos o seu 50º aniversário temos de redobrar o empenho para assegurar que os direitos nela consagrados, e numa infinidade de instrumentos que visam os direitos humanos, sejam cumpridos em relação a todas as crianças.
A propósito, queremos citar parte da «Mensagem» (de 28 de Maio) dirigida pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, ao Presidente da OIT, por ocasião da reunião anual de Junho último, da qual foi portador um dos jovens trabalhadores portugueses que integrou a Marcha Golbal: "(…) Terminar com a exploração do trabalho infantil obriga a reafirmar o direito de todas as crianças do Mundo a uma infância digna e saudável, de que seja banida a escravidão, a servidão e a exploração sexual, económica e social. (…)
Agir em defesa dos direitos das crianças a estudar e a construir para si próprias um futuro digno e civicamente responsável, cria para todos nós o dever de cooperarmos em favor dum desenvolvimento económico e social que exclua todas as formas de exploração das crianças (…)".
A escolarização tem constituído parte do problema do trabalho infantil e, do nosso ponto de vista, a partir do aniversário que por estes dias se celebra, tem de passar a ser parte da sua solução.

Elisa Lopes da Costa
CIDAC/Lisboa

Para saber mais:

"A Educação para o século XXI: Uma vida inteira para aprender",
in Fontes da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO, Lisboa, nº 78, Abril 1996, pp. 6-16, «Em Foco».

Footprints, Nova Deli, Global March Against Child Labour, Janeiro 1998 (em publicação).

Rapport sur les droits des travailleurs dans le monde 1997-1998: Non à l'exploitation des enfants,
Bruxelas, Confédération Mondiale du Travail, 1998.

Situação Mundial da Infância 1991, Nova Iorque, UNICEF, 1992.

"Trabalho, emprego e actividade", in Inde informação, Lisboa, nº 3, Setembro 1998, pp. 39-43.

"Uma carga de trabalhos", in Caderno Vida Pessoa & Sociedade, Leiria-Marinha Grande, nº 13, 1998, p. 3.

Voz do Trabalho, Lisboa, LOC, ano 50, nº 517, Set-Out. 1998.

Informação electrónica:
Centro de Documentação e Informação Sobre a Criança (CEDIC) : http://www.iec.uminho.pt/cedic
Confederação Mundial do Trabalho : http://www.cmt-wcl.org
Marcha Global contra o trabalho infantil : http:/www.globalmarch.org
Organização Internacional do Trabalho : http://www.ILO.org
UNICEF : http://www.unicef.org

Alertas:
Confederação Nacional de Acção sobre o Trabalho Infantil (CNASTI) -
Linha verde 0 800 20 20 76 (para denúncia de situações. Confidencial)


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 75
Ano 7, Dezembro 1998

Autoria:

Elisa Lopes da Costa
CIDAC, Lisboa
Elisa Lopes da Costa
CIDAC, Lisboa

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