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Medidas Educativas Disciplinares

O aluno, um aluno, afinal é o quê ? Se a pergunta lhe parece muito metafísica, sossegue. O Decreto-Lei n° 270/98, de 1 de Setembro, talvez a pensar nessa sua secreta inquietação, veio definir "o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário, estabelecendo os respectivos direitos e deveres gerais e consagrando um código de conduta que contempla regras de convivência e de disciplina que devem ser conhecidas e observadas por todos os elementos da comunidade educativa" (citação integral do artigo primeiro do dito decreto-lei).
A ideia, tal qual resulta do preâmbulo do diploma, parece ser clara e plausível. Trata-se de enquadrar a regulação da convivência e da disciplina, consagrando um código de conduta e explicitando o estatuto dos alunos, na dupla componente de direitos e deveres, deixando o respectivo desenvolvimento para a competência de cada escola e a ser concretizado no correspondente regulamento interno. Diga-se em abono da verdade que o preambulo até está sugestivo, arrumadinho, com ideias claras ...
O problema vem depois e o problema é, neste caso, o próprio diploma. A primeira conclusão é que o articulado pouco ou nada tem a ver com as promessas do preâmbulo e que não é fruto da mesma cabeça. É que este novo "estatuto dos alunos" parece ser feito para alunos mas a pensar em funcionários, acabando por resultar num produto demasiado parecido (estamos a ser generosos ...) com o estatuto disciplinar dos funcionários públicos !
Temos consciência dos problemas disciplinares ao nível das escolas e das múltiplas faces desses mesmos problemas. Não temos certezas, muito menos absolutas, sobre as soluções, mesmo quando estamos a pensar mais - e quase só - no plano jurídico. Agora o que também nos parece claro é que o caminho não passa - ao contrário do que está pressuposto pelo referido diploma - pela formalização e burocratização de procedimentos, nem pela funcionalização dos alunos, quase que não deixando espaço para a auto-regulação fisiológica dos pequenos "ruídos", dos episódios quotidianos cuja gestão depende mais, afinal, da capacidade para lidar com o momento, e não tanto do arsenal punitivo e do aparente rigor processual.
A sensação que este novo "estatuto dos alunos" nos deixa, ao fim dos seus intermináveis quarenta artigos, ao fim do labiríntico catálogo de direitos e deveres dos alunos, da trama de "intervenientes no processo educativo" e de um espantoso capítulo sobre a aplicação de "medidas educativas disciplinares" (capaz de converter um qualquer pequeno incidente num volumoso processo a ser gerido por um pobre e infeliz instrutor entretanto designado e desenganado para o efeito ...), é que em vez de relação pedagógica e educativa, estamos afinal e apenas perante uma relação funcional e hierárquica. Por fora temos e vemos anunciadas "medidas educativas disciplinares"; mas por dentro, trata-se pura e simplesmente de "ilícito disciplinar de funcionários" e mesmo este construído com materiais já um pouco requentados.

Rui Assis


  
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Edição:

N.º 74
Ano 7, Novembro 1998

Autoria:

Rui Assis
Jurista
Rui Assis
Jurista

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