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Cadernos de Leicester

ESTUDOS FORA

Quem tem a possibilidade de estudar fora do país
vive uma experiência enriquecedora a todos os níveis.

Ao iniciar um doutoramento, confesso que as minhas estratégias de estudo resultam quase todas de auto-didactismo. Não sei ainda se hei-de pôr as mãos à cabeça! Chego a Leicester, a cidade-ambiente inglesa, ao mesmo tempo que centenas de pessoas de todo o mundo. Instalo-me num apartamento de uma residência universitária que passo a dividir com cinco desconhecidas: duas inglesas, uma japonesa, uma tailandesa e uma grega. A mistura podia ser explosiva. Mas, pelo menos para já, reina o essencial: a limpeza e o silêncio.

Entre a enorme quantidade de folhetos e brochuras que nos entregam à chegada encontro as regras de funcionamento das residências universitárias, informações sobre doenças como a meningite e um guia com dicas para tirar melhor partido dos estudos.

É este guia que, de imediato, atrai a minha atenção e curiosidade. E penso para comigo: "Bem-vindo sejas, nem que só tragas banalidades!" Na primeira das 24 folhas de tamanho A4 fiquei logo a saber que de imediato vou descobrir (?) que o enfoque da formação estará em mim, aprendiz, muito mais do que no membro do "staff" que me vai orientar. E para que não restem dúvidas, fica a certeza: "Espera-se que trabalhes mais por ti própria do que fizeste no passado". Mas logo a seguir vem a garantia de que nenhum estudante será abandonado! Porque este é um sistema de ensino, digamos, combinado: por um lado, o projecto escolhido e desenvolvido pelo aluno; por outro lado, a existência de um tutor académico que acompanha - de perto e de facto - a investigação.

Como nunca ninguém me ensinou a tirar notas e apontamentos de livros, paro com curiosidade no capítulo do guia que tem dicas sobre esta matéria. Obviamente já sabia que os apontamentos devem ter as referências exactas sobre o livro a que pertencem. Naturalmente já tinha aprendido a sublinhar, a não transcrever frases intermináveis e a não riscar publicações que não me pertencem. A prática jornalística já me tinha ensinado a resumir ideias e a organizar informações pondo o que é mais importante à cabeça. Mas admito que não tenho o hábito de rever os apontamentos que tiro para ver se fazem sentido por si só, aproveitando para fixar as ideias. Encontro aqui a minha primeira lacuna, registo e sigo em frente.

Encontro, então, um capítulo que se propõe ensinar-me a tirar melhor partido das aulas. Embora este seja um assunto que interessa muito mais aos alunos de licenciatura do que aos de doutoramento, gasto algum tempo a ler as dicas: "Não tentes escrever tudo mas concentra-te nos aspectos centrais"; "está atenta a sinais como pausas prolongadas e frases como 'agora vamos investigar' porque são indicadores de avanço para nova matéria"; "sumariza a aula, não faças um ditado".

Embora óbvio, parece-me muito bem que haja o cuidado de sistematizar estas e outras informações em documentos distribuídos a quem inicia um curso superior. Mas aquilo que verdadeiramente me surpreende e a quantidade de serviços que a Universidade de Leicester - à semelhança do que suponho passar-se no resto da Inglaterra - são oferecidos aos alunos em matérias que não tem só a ver com os estudos.

Cada aluno tem um tutor pessoal que pode ser consultado sobre qualquer problema, incluindo pessoais e/ou financeiros. Há também um serviço de aconselhamento, onde os jovens podem expor confidencialmente aquilo que os preocupa. Um projecto de acompanhamento psicológico. Um centro médico com todo o tipo de especialidades. Um serviço com informações sobre carreiras a seguir. Um centro de estudos para pessoas com deficiências. Um serviço religioso. E um serviço de assistência social, onde se podem obter todas as informações sobre questões legais, de residência e outras. Aqui que se fazem, gratuitamente, testes de gravidez às universitárias. Gratuitamente.

Depois deste leque de serviços oferecidos aos estudantes, surgem os pedidos de voluntariado. Quem estuda na Universidade de Leicester é confrontado com propostas de trabalhos não remunerados, simplesmente com o objectivo de dar um contributo para a vida de quem precisa de alguma coisa. Existe voluntariado com crianças, idosos, deficientes. O que não deixa de surpreender, sobretudo se se tiver em conta que esta é uma sociedade onde o comum cidadão fecha os olhos às cenas de espancamento gratuito cada vez mais frequentes.

Mas há ainda pedidos de voluntários para outras causas, igualmente nobres, mas com um carácter diferente. Não posso deixar de reparar nos folhetos afixados por todo o lado: "Apanha uma constipação em nome da ciência". São procurados universitários saudáveis que tenham entre 18 e 45 anos. Os seus corpos servirão para testar novos medicamentos. Só que este não é um voluntarismo como os outros: é pago. E se a esmagadora maioria dos estudantes passa por estes folhetos com indiferença, há quem esteja sempre disposto a colaborar com a ciência. Supõe-se que muito mais pelo dinheiro do que pela nobreza da causa.

Hália Costa Santos

 


  
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Edição:

N.º 74
Ano 7, Novembro 1998

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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