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Complementos de Formação - Solução adiada?

A formação de professores pelo seu carácter basilar e estruturante da profissão tem sido objecto de discussões cíclicas e recorrentes. Os mais diversos modelos têm sido experimentados mas a questão de adequação da formação à realidade educativa continua longe de estar resolvida. Por outro lado a proliferação de diferentes modelos de formação coloca o sistema educativo à beira do caos sempre que se pretende sistematizar e reformar os modelos.
Directamente ligada a esta temática está a área da habilitação e dos graus académicos, bem como toda a problemática dos quadros e concursos. Tendo este quadro em mente pretende-se com este texto alguma reflexão sobre o que está a ser proposto pelo Ministério da Educação (M.E.) em termos de complemento de formação para os educadores e professores bacharéis.
Os cursos de complemento de formação (CCF) decorrem directamente das alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) introduzidas a 25 de Junho de 1988. Desde 1986 que a LBSE prevê formação inicial de nível superior para todos os educadores e professores mas fazendo a distinção entre educadores e professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB) por um lado e professores dos 2.º e 3.º CEB e do Ensino Secundário por outro. Para os primeiros era exigido o grau de bacharelato enquanto que para os segundos se exigia o grau de licenciatura. Este foi o quadro referente a habilitação para a docência até ao último mês de Junho quando foi alargada também aos educadores e aos professores do 1.º CEB a exigência de licenciatura como grau mínimo de acesso à docência.
Esta é uma alteração francamente positiva e surge também como resposta a uma aspiração e reivindicação de associações sindicais e profissionais e naturalmente de educadores e professores individualmente considerados. Espera-se assim para além de uma melhoria na qualidade da formação inicial, potenciar e fortalecer a identidade profissional de educadores e professores. Resolvida esta questão coloca-se a dos educadores e professores já no sistema e sem o grau de licenciado, quer na vertente de obtenção de uma licenciatura, quer na vertente de reposicionamento na carreira. Desde logo eram possíveis (que não igualmente desejáveis) várias formas de solucionar este problema: reposicionamento automático dos bacharéis em situação de igualdade com os licenciados (vulgo equiparação administrativa); frequência de cursos no âmbito da formação contínua com posterior equiparação a licenciatura; frequência de cursos do Ensino Superior especialmente criados para o efeito e tomando em linha de conta a formação e os conhecimentos experienciais dos educadores e professores; conclusão de um curso superior em regime normal.
A solução que se nos afigura mais justa, digna e adequada à realidade parece-nos ser a que propõe que para os educadores e professores sejam concebidos cursos no âmbito do Ensino Superior e que tendo em conta a formação do professor e a sua experiência profissional se adeque ao nível e/ou grupo de educador/professor. Para esta solução muito contribuiria o envolvimento da Universidade Aberta e o estabelecimento de protocolos com os Centros de Formação de Associação de Escola (CFAE) por forma a dar resposta aos docentes colocados em zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos e ainda como forma de acelerar um processo que de outro modo poderá arrastar-se por mais de uma década.
Dos documentos legais já publicados conclui-se que a opção acabou por ser a dos cursos de Complemento de Formação com duração variável entre 25 e 45 unidades de crédito, em função do currículo do docente mas sem o envolvimento dos CFAE ou de outras estruturas mais próximas dos professores e educadores.
Por outro lado e desses mesmos documentos não resultam claros vários pontos essenciais: financiamento que pensamos deverá ser assegurado pelo Ministério da Educação; tempo de resposta que não poderá estender-se por um período demasiado longo sob risco de penalizar um grupo substancial de docentes; professores não detentores do grau de bacharelato para os quais não é nesta fase apontada qualquer solução nem sequer uma data para a possível proposta; descentralização do processo como decorre do atrás referido quanto aos CFAE.
Se estas omissões são só por si preocupantes alguns rumores que circulam nos corredores do M.E. são de molde a aumentar a nossa preocupação. Assim no primeiro ano seriam só admitidos 1.800 docentes aos CCF e todos educadores e/ou professores do 1.º CEB ficando assim afastados os professores bacharéis dos 2.º e 3.º CEB e do Ensino Secundário. Quanto ao financiamento seria da responsabilidade dos próprios docentes colocando-se assim o M. E. numa perspectiva de beneficiário e sem custos.
A confirmarem-se estes rumores criar-se-ia uma situação de fortíssima injustiça para os professores dos 2.º e 3.º CEB e secundário, já credores das medidas agora tomadas desde 1986 (LBSE) e que se veriam assim ultrapassados por todos os educadores e professores do 1.º CEB. Por outro lado se se confirmar o numerus clausus de 1.800 e este se mantiver nos anos futuros daqui a 25 anos todos os professores poderão ter acesso a uma licenciatura, isto é, todos os professores que entretanto não tenham sido aposentados!
Em jeito de conclusão é de conveniência recordar alguns princípios essenciais e que não parecem estar assegurados de momento. As condições de acesso aos cursos devem permitir que todos os educadores e professores possam num espaço de tempo razoável complementar as suas habilitações, a formação deve ser de qualidade, relevante e assegurar aprendizagens significativas e organizada numa perspectiva inclusiva e abrangente.
Caso estes princípios não sejam seguidos estaremos perante mais um caso capaz de inquinar durante longos anos o sistema educativo e as relações entre docentes e entre estes e o M.E..

António Leite
Vice-Presidente do Instituto Irene Lisboa


  
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Edição:

N.º 73
Ano 7, Outubro 1998

Autoria:

António Leite

António Leite

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