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A propósito de Solidariedade, Autonomia e Educação Social

O final da II Guerra Mundial e o início da reconstrução europeia fazem aflorar todos os problemas relacionados com a integração social das pessoas e dos grupos que o conflito tinha destroçado. Para além das políticas económicas, impõe-se, então, necessidades de acompanhamento directo dos dramas pessoais originados nas violências da guerra e prolongados na vertigem da adaptação difusa aos primeiros passos de uma paz assente em longos e profundos traumatismos.
Nascem aqui, na sua acepção actual, as profissões do chamado trabalho social.
Com a complexificação das teorias e das práticas acerca das estratégias, das finalidades e dos métodos de intervenção social, agudiza-se progressivamente a percepção de que o trabalho social tem de ultrapassar os contornos próprios de um mero encaminhamento para a utilização das estruturas assistenciais, entretanto, cada vez mais assumidas pelos estados. Privilegia-se, deste modo, a construção da autonomia da pessoa humana.
Se a prosperidade dos anos sessenta, pelo menos nas sociedades industrializadas, permite secundarizar o impacto dos fenómenos de marginalização, chegando os mesmos a parecer já definitivamente superados graças ao progresso económico de que emergiram, aliás, os estereótipos da sociedade de consumo, a verdade é que a crise derivada dos choques petrolíferos, o impacto da evolução tecnológica no mercado de emprego, bem como a inviabilização, em termos de modelos e de práticas, do estado-providência, acabam por recolocar - ainda que em novos moldes - toda a problemática que envolve os que ficam de fora das miragens do bem-estar social.
Ultrapassada a fase do paradigma assistencial, entram em jogo as políticas de inserção e, mais recentemente, de combate à exclusão.
Estas últimas, procurando superar quaisquer vestígios de voluntarismo caritativo, arrogam para si uma dimensão supletiva da própria democracia. Para tal, tentam corrigir as suas fracturas, nomeadamente, as que derivam do desemprego e das assimetrias regionais. Simplesmente, herdeiras que são de uma perspectiva que procurava secundarizar conceitos fortemente politizados como os de opressão, luta de classes ou de exploração - os quais punham em causa os fundamentos éticos e ideológicos das nossas democracias -, não visam tanto a resolução dos problemas estruturais destas sociedades mas apenas atenuar os seus efeitos.
Se, com a proposta pura e simples de inserção, se deixava margem para uma culpabilização daqueles que escapavam aos contornos da cidadania democrática, com a ideia de exclusão a sociedade parece querer assumir a responsabilidade pelas discriminações que nela vão ocorrendo. Permanece, todavia, um certo sentimento de impotência ou, se se quiser, de inevitabilidade dos processos de exclusão relativamente aos quais se actua sempre só depois de aparecerem os respectivos resultados.
A realidade, porém, é que as sociedades contemporâneas atingiram os limiares críticos da sua coerência local e universal, vendo-se assediadas, precisamente, pelas ameaças directas e indirectas de populações cada vez mais vastas de excluídos que habitam no seu seio ou para além das suas estritas fronteiras geográficas, sem prejuízo de manterem uma iniludível relação funcional. Os gritos de revolta dos vagabundos das grandes metrópoles e dos miseráveis do terceiro mundo não deixam ninguém indiferente.
Vivemos a paz de um limiar societário anunciado no limite da memória de uma dissolução comunitária .
Com efeito, a sociedade pós-industrial olha-se descrente sem que as convulsões que a percorrem lhe proponham uma alternativa: vive-se uma crise da cidadania democrática, do ideário humanista e do utopismo tecnológico sem que qualquer uma destas componentes esteja, por isso, esgotada.
Encontram-se, então, as fronteiras da tolerância, da solidariedade e da autonomia. Da liberdade, da interdependência e da individualidade. Da consciência do presente e do projecto. Da responsabilidade. Eis que se constata que não há nem ser, nem saber que, por si sós, possam assegurar a felicidade que é o que , de uma forma ou de outra, a humanidade ambiciona desde sempre.
Ora, esboçam-se precisamente aqui os fundamentos de uma intervenção educativa, a qual, dando espaço e tempo às vontades de edificação de identidades individuais e solidárias, os horizontes de novas cidadanias onde a integração implique a participação e, por essa via, o beneficio das sociedades e das pessoas no seu todo.
Trata-se, com certeza, de um esforço que, necessariamente, terá de ser partilhado mas que, também, não se compadece mais com as limitações da generosidade dos gestos ocasionais e isolados ou com apelos magnânimos das ideologias. Um tal esforço, para ser consequente, exige, de uma só vez, abnegação e profissionalismo, sistematicidade, persistência e responsabilização que, sendo matricialmente colectiva, tem de ser delegada em quem possa, saiba e queira constituir-se como mediador do projecto pessoal de construção, pelo outro - seja ele qual for - da sua identidade solidária, sobretudo, quando esse outro não pode, não sabe e, portanto, não tem a certeza se o quer. Ser, saber, querer e poder a serem exercidos numa conjugação harmónica e criativa .
A educação social emerge aqui como uma aposta complexa a impor - perante a fragilidade e a inadiabilidade do humano - tanto de ponderação como de decisão. O que exige, antes de mais, como se disse, vocação, disponibilidade e preparação. Daí que, em toda a Europa, com as designações de educação social, de pedagogia social ou de educação especializada, se tenham desenvolvido, desde há anos, domínios de investigação e de formação universitária que habilitam profissionais competentes para uma frente de intervenção a todos os títulos irrecusável quanto à sua pertinência.

Adalberto Dias Carvalho
FL-UP


  
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Edição:

N.º 71
Ano 7, Setembro 1998

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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