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Do Futuro à Utopia

 

A memória do Mundo cabe na sala do Atlas, com o mar à distância de um caixote de lixo em três dimensões. A azul profundo é helicoidal, como a espiral da vida. Há vulcões de água e utopias por todo os lados, especialmente o do imaginário.
Alguém que cai, em câmara lenta, vai abrir um espaço para que uma banheira voadora, cheia de deuses, atravesse 'o infinito do nada', como na sugestão poética de Ungaretti. O mar está prestes a nascer, de um enjoo divino,
Depois criam-se outras criaturas, umas mais humanas, outras mais monstruosas, antes da guerra dos deuses e das arcas que lhe sobreviveram, à deriva e à chuva. A arca faz-se veleiro e o veleiro jangada para um naufrágio anunciado, sem fogos estranhos que não sejam os da lava que engoliu a Atlântida.
A gente, num momento, tem saudades daqueles sítios onde nunca se esteve mas por onde sempre passou. 'Vou-me embora para Pasárgada // Lá sou amigo do Rei', como na ameaça de Manuel Bandeira, outro poeta presente.
Dizem que o oceano é também um espaço de 'mil e uma caras semiocultas'. O mar é feminino. Em francês é feminino. La mer. Também ali, a lava, se transforma em mar que tem formas de mulher.
Abre-se, então, a boca do mundo e do mar para que o sobrevivente - Dédalo - possa sair e desenhar uma ilha ao longe, perto da última e abissal fronteira do planeta, muito para lá do futuro, sem as virtualidades de três dimensões cheias de humidades.
Quanto tempo passou em trinta minutos de viagem pela Utopia, com desvios, rápidos, ao futuro? Subitamente somos atirados para uma peregrinação digna de Fernão Mendes Pinto, pelas ruas daquele espaço, a dividir o dia da noite, como um tratado antigo como o de Tordezilhas.
'Que viaje à roda do seu quarto quem está em S. Petersburgo'... A nossa terra agora é outra e com outras arquitecturas. EXPOmo-nos assim para esquecer, por um dia, por três, por meia hora de Utopia, outras histórias por contar...
Se alguém pode subir ao cimo de uma montanha, ou de uma torre, para rasgar horizontes e fazer do rio mar, então que o faça e que se deixe embalar naquele deslumbramento de imenso que cabe no palco.

Replay: o mar, ali, é feminino., lá somos amigos do rei, andamos, é verdade, à chuva de música ('salto no escuro' Por Esse Rio Acima, do poeta Fausto), a peregrinar, a desenhar ilhas, a fazer amigos, a agarrar, numa sala, como quem brinca, a memória do mundo.
Andamos a cheirar e a sentir. Andamos a tocar e a ser tocados por qualquer coisa que é, seguramente, feminina e fértil. Como se o Mundo todo coubesse numa praça, como qualquer Praça da República, da coisa nossa e pública, como o mar nosso.

João Rita


na EXPO 98,
exposição Mundial aberta das 09 às 03 horas,
todos os dias, até ao final de Setembro, em Lisboa,
na margem direita do Mar da Palha,
ali para os lados da Estação do Oriente


  
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Edição:

N.º 70
Ano 7, Julho 1998

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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