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Há quem lhe chame Autonomia ...

Neo-colonialismo

Intitular reforço da autonomia das escolas às propostas agora apresentadas pelo ME só pode ser visto como publicidade enganosa. O que está verdadeiramente em jogo é a mudança de 'patrão': em vez de escolas exclusivamente subordinadas a Lisboa, passaremos a ter também uma dependência dos poderes locais, ou seja, dos interesses económicos e principalmente das câmaras municipais.
Aliás, mesmo sem o novo diploma, há já pressões ilegítimas de autarcas sobre a autonomia (esta sim, real) das escolas. Duvidam!? Recepções solenes a presidentes da câmara, censura a jornais escolares por artigos que não agradaram à autarquia, instigação à perseguição de professores (i. é, processos disciplinares) que não são da cor política da autarquia, etc., etc., são factos indesmentíveis e nada raros nos dias de hoje. Na nossa escola, já tivemos um vereador da Cultura a abusar do lugar no Conselho Consultivo para tentar erradicar da imprensa concelhia a divulgação das análises efectuadas por professores e alunos às águas de fontes e de nascentes.
Mas haverá ao menos boas contrapartidas que possam compensar toda esta PERDA DE AUTONOMIA? A resposta é-nos dada pelo estado de incúria e degradação das instalações do 1º ciclo, a cargo das autarquias. Não temos dúvidas que a grande maioria das escolas preparatórias e secundárias só terá a perder (em qualidade de ensino e no estatuto e na dignidade profissionais de quem nelas trabalha) com a passagem para a tutela das autarquias.
E não descortinamos também o que ficam a ganhar as escolas com a atribuição de competências em domínios como a inclusão de componentes locais e regionais nos currículos (para quê?), normas para a constituição de turmas e de horários, regime disciplinar dos estudantes, contratação directa de docentes, etc. A persistência de uma tutela e de regras comuns a todas as escolas públicas do país tem sido até à data a MAIOR GARANTIA da sobrevivência da instituição escolar, mau-grado todas as pressões que já se fazem sentir, garantindo a cada escola o grau de autonomia necessário à sua função educadora. É que Lisboa tem mais que fazer do que imiscuir-se nos assuntos internos de cada escola; já as autarquias ou as empresas, principalmente em meios pequenos, não resistirão à tentação de o fazer e então ... ADEUS, AUTONOMIA!

Um director que continua a mandar, a avaliar e a punir

Referimo-nos concretamente às Competências do Presidente do Conselho Executivo ou Director. Esses poderes, para poderem ser aplicados com alguma isenção, exigem uma 'distância de segurança' mínima entre gestor e geridos, que não existe na maioria das escolas preparatórias e secundárias. E, no caso dos professores, quantas vezes o director não é menos habilitado, em termos académicos ou profissionais, do que aqueles sobre quem pesa o seu poder decisório?
Não duvidamos, muitos dos conflitos que eclodem nas escolas em que vigora o modelo antigo derivam do poder quase absoluto que é dado ao presidente do CD, nos domínios hierárquico, disciplinar e de avaliação.

Um director omnipresente

Sendo quatro os órgãos de administração e gestão previstos na proposta, o Director (ou Presidente do Conselho Executivo) está presente em todos: preside à direcção executiva e ao Conselho Administrativo e participa na Assembleia e no Conselho Pedagógico.
Esta sobrerepresentação do director significa, na prática, a concentração de todos os poderes nas mãos de uma única pessoa que, mesmo quando não preside, nem tem direito a voto, pode facilmente influenciar e controlar as assembleias. Será necessário lembrar que possui competências nos domínios de avaliação, hierárquico e disciplinar? E que o Estatuto Disciplinar conserva ainda - à boa maneira do RDM - um 'muito conveniente' DEVER DE OBEDIÊNCIA? (Em 1991, na Preparatória do Feijó, as opiniões emitidas por um professor no Conselho Pedagógico deram azo a que a presidente do CD presente mandasse instaurar processos disciplinares.)
É óbvio que a falta de um verdadeiro equilíbrio de poderes era uma das mais graves deficiências da dita 'gestão democrática'. Mas, se esta não funcionava bem, é porque algo tinha de ser mudado para melhor ... nunca para pior.

Regras de inelegibilidade iníquas

O artigo 43º impede qualquer docente a quem tenha sido aplicada pena disciplinar superior a repreensão (por exemplo, multa) de pertencer a qualquer órgão de administração e gestão ou sequer de ser nomeado director de turma. E para alunos e funcionários há disposições análogas.
Ora, deve ser no mínimo inconstitucional alguém ser duplamente penalizado pela mesma falta. Mas, esta norma 'inovadora' oferece aos actuais presidentes do CD uma poderosa arma para arredar do caminho rivais potenciais. Basta que saibam urdir - com a conivência de alguns 'favoritos' - uma conveniente trama.
Nem se imagina a facilidade com que se fabricam acusações passíveis de pena superior à repreensão escrita: uma opinião menos favorável relativamente à chefia, a recusa em obedecer a ordem irregular ou ilegal, a afixação de documento não submetido à 'censura prévia' ... e um nunca acabar de outras 'ousadias' que, para certos autocratas e apaniguados, significam desrespeito pelos deveres de obediência, correcção ou zelo.
Em contrapartida, é extremamente raro que um professor sofra pena por incompetência profissional. Segundo a IGE, parece que é muito difícil de provar. É pena: corremos o risco de ver os órgãos de gestão e administração repletos de 'incompetentes' ... com currículo imaculado.
Paralelamente, um gestor escolar pode impunemente (conhecemos um caso assim) instaurar no espaço de um ano uma série de processos disciplinares a professores e funcionários, com fundamentos mais que arbitrários, e depois arquivados (quem prevaricou, afinal foi ele) e não perde a capacidade de ser eleito para nenhum órgão. Espantoso, não é!?
E os sindicatos docentes não disseram ainda uma palavra sobre este artigo tipicamente fascista. Simplesmente inacreditável!

Assembleia de escola: o sonho de todos os engenheiros eleitorais

Referimo-nos concretamente à sua composição e forma de eleição, cujas regras essenciais são deixadas a cargo de cada escola. Na prática, tal quer dizer que as lideranças actuais vão ter palavra decisiva na definição da 'lei eleitoral', em vez das normas serem iguais a nível nacional, o que seria sensato. Passará pela cabeça de alguém que, por exemplo, a meia dúzia de meses do fim do mandato, cada presidente da câmara pudesse definir, a seu bel-prazer, o número de membros da vereação e o sistema de eleição?
Mas há mais! A nossa repulsa pela abusiva intromissão dos lobbies partidários e empresariais na vida das escolas aumenta ainda mais pelo facto desses elementos não serem eleitos, mas sim designados por meia dúzia de pessoas, estranhas à escola. O mesmo se passa, aliás, com os representantes das associações de pais. É frequente que 15 ou 20 pessoas 'elejam' direcções para escolas com 2000 estudantes. E, fazendo nossas as palavras de Ana Benavente (A ESCOLA NA SOCIEDADE DE CLASSES), como são os pais da classe trabalhadora os que têm maior dificuldade em se exprimir nas reuniões de pais, as direcções são em geral constituídas por pais das classes médias ou superiores. Vai-se dar a essas direcções 'auto-nomeadas' a legitimidade de seleccionar entre si 3 ou 4 membros da Assembleia? Apenas concebemos a sua presença se forem eleitos - com listas e sistema proporcional - pelo conjunto de todos os encarregados de educação.
Quanto aos restantes membros da Assembleia (estudantes, professores e pessoal não docente), embora consideremos positiva a opção pelo sistema proporcional, faltam garantias de uma real proporcionalidade. Exemplificando: se forem 9 os representantes a eleger por um corpo, cada lista necessita recolher cerca de 10 por cento dos votos para eleger alguém, o que garantiria a representação das sensibilidades minoritárias; mas, se forem apenas 2 ou 3 os representantes a eleger, não há meio de haver proporcionalidade. Ora, não foi previsto nenhum número mínimo de representantes, única forma da proporcionalidade não ser meramente virtual.
A indefinição na composição e forma de eleição da Assembleia, a ser mantida, vai abrir caminho a graves conflitos nas escolas, pois cada facção tentará aproveitar o exercício do poder para, por engenharia eleitoral, conseguir eternizar a sua hegemonia.

Eleger pelo sistema proporcional o Conselho Executivo

São uma aberração os critérios de selecção que restringem o exercício do cargo máximo aos docentes com experiência de gestão escolar ou com habilitações específicas. Toda a gente sabe que a passagem por um Conselho Directivo é muitas vezes o produto de um feliz acaso. Há escolas do interior em que a simples pertença ao quadro faz de qualquer professor um candidato natural. Noutras, quantas vezes as listas para o CD não são completadas com docentes que querem evitar a colocação em escolas longe de casa. E a generalidade dos docentes habilitados com cursos de administração escolar consiste precisamente em membros de CD's, que têm maiores facilidades que a massa, em ser aceites e frequentar esses cursos.
A aplicação destes critérios restritivos fará com que milhares de professores competentes nunca possam ser directores e conduzirá inevitavelmente à evolução na continuidade na maioria das escolas. Podemos citar o exemplo das 48 escolas onde funciona o modelo de 1991, semelhante em alguns aspectos ao agora proposto: em apenas dois casos, o anterior presidente do CD não logrou ser reeleito. Os 'dinossauros' não existem só no poder autárquico ...
Prevê-se também o sistema maioritário para a eleição do Director ou do Conselho Executivo. Não concordamos. Entendemos que deve ser formado por representantes de professores e também de estudantes e de funcionários (em menor número), todos eleitos pelo sistema proporcional, como sucede nos executivos camarários. Quanto à presidência do órgão, temos uma proposta inovadora: presidência rotativa como na Confederação Helvética (ninguém dirá que a Suíça é mais fácil de gerir que uma escola), sendo os pelouros distribuídos entre os membros do Conselho Executivo. Assim, as escolas passavam a ser exemplo vivo de democracia, participação e tolerância.

Para quê manter ainda o C. Administrativo e o C. Pedagógico?

Com Assembleia e direcção executiva que representem as diversas opiniões e sensibilidades da Escola, parece-nos que não faz já sentido conservar os citados órgãos. As suas actuais competências nos domínios pedagógico e financeiro seriam integralmente transferidas para a Assembleia.
Até porque quem conhece os actuais CA e CP sabe que estes, em muitos casos, não funcionam. O Conselho Administrativo costuma ser mera 'correia de transmissão' do CD. - em quantas escolas são divulgadas (de forma transparente) as despesas mensais? em quantas são discutidas, por todos, as prioridades nos gastos com equipamentos e material didáctico? Quanto ao Conselho Pedagógico, este é uma máquina demasiado pesada, com membros cujas representatividades são muito desiguais: alguns passam um ano lectivo inteiro sem nunca abrir a boca.

Ana Paula da Silva Correia e José Rodrigues Ribeiro
docentes do 4º grupo Ada Escola Secundária de Esposende
Resumo de um documento submetido ao FÓRUM Internet do Ministério da Educação e aos órgãos da nossa escola.


  
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Edição:

N.º 69
Ano 7, Junho 1998

Autoria:

Ana Paula da Silva Correia

José Rodrigues Ribeiro
Escola Secundária de Esposende
Ana Paula da Silva Correia

José Rodrigues Ribeiro
Escola Secundária de Esposende

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