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Imigrantes

É duro partir para terra de outros e deixar a terra da gente. É que as fronteiras ainda conservam restos de farpas de arame!Que difícil é construir cidadanias com peças amovíveis num puzzle que se pretende dinâmico e esteticamente apetecível!Imigrante, para muitos, escreve-se com 'I' de Injustiça, de Ilusão, de Inadaptação, de Insegurança ... de Insucesso. Por exemplo, na América do Norte e noutras paragens, também começa com 'I' de Inglês, a barreira da língua.

As notícias de vida podem ser base de tratamento pedagógico para uma educação multicultural.Um estudante deixou de ir às aulas. Não era chuva, não era o frio, não era a doença, não era a necessidade de ajuda em casa. Era o medo! O medo de pagar mais no autocarro por não entender bem inglês e a mãe trabalhava que suava para lhe dar a escola.Um jovem não praticava desporto e gostava tanto da bola! Tinha jeito, tinha boa preparação física, mas tinha também vergonha. Troçavam dele porque não percebia nem se fazia perceber: de novo, a língua! E tinha tantos 'palpites' para dar!Estes medos e estas vergonhas ainda se vão esbatendo nas camadas mais jovens, o problema assume maior gravidade e desconforto na primeira geração que partira com vida (des)feita, com a sua cultura incorporada, mesmo que sofrida. É tudo tão diferente e, por via disso, poderia a integração ser de riqueza feita e de diversidade condimentada! Mas ainda não é. Não é por acaso que, agora no Velho Continente, é referida a necessidade do domínio de pelo menos uma língua para além da materna no Livro Branco da Comissão Europeia 'Teaching and learning ñ Towards the learning society' que considera este aspecto como um nível de qualidade, que contribui fortemente para facilitar a obtenção de um emprego e que facilita os contactos com outros na descoberta de mentalidades e culturas diferentes e estimula a agilidade intelectual.

Outra notícia:Rapazes e raparigas após um período de férias - um diz que não saiu; uma, com sorriso maroto, acrescenta 'coitadinho, ficou a ajudar a mãezinha, os homens não se querem em casa'; outras enrubesceram ciosas da sua condição de donas de casa mas, paradoxalmente, comentaram que arcam com o trabalho todo da casa, que os irmãos sumem-se porta fora. As adolescentes não sabem ao certo se preferem o homem que desfruta daquilo que a mulher lhe proporciona e lhe concede o privilégio de ser exclusivamente a mulher da casa ou aquele que, à moda dos estrangeiros, compartilha estas e outras responsabilidades.Para além do mais, assim se vai padronizando a identificação sexual tanto dos rapazes como das raparigas. Cada um terá de sentir-se seguro no seu próprio sexo, atendendo às condições que sustentam preferências e atracções. Embora tenham sido apontados pequenas (grandes) causas de insatisfação ou incómodo, num universo de população imensurável, não anuncio intervalo antes de referir o caso dos imigrantes que até dominam a oralidade mas não sabem escrever a nova língua, pelo que continuam a fruir da cultura de origem de forma fechada, vivendo sem conviver. Custoso e crisol de exclusão! Não é? Não deverá ser?

Iracema Santos Clara

Maio de 98 trinta anos depois do Maio de 68


  
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Edição:

N.º 68
Ano 7, Maio 1998

Autoria:

Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto
Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto

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