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Em nome do "El Niño"

consciencializare inquietar (tb/qb)*

A educação ambiental nas escolas é ainda vista por muitos professores como uma mera actividade extra-curricular e parece estar longe de ser encarada pelo Ministério da Educação como área educativa prioritária. Apesar de se multiplicarem as iniciativas ligadas à protecção do ambiente nos estabelecimentos de ensino portugueses, promovidas pelo Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB), através de um protocolo estabelecido, em 1996, entre os Ministérios do Ambiente e da Educação, importa, acima de tudo, questionar se as práticas e a actual organização do sistema educativo permitem responder eficazmente a esse desafio.
"A indiferença generalizada de vários grupos sociais e da maioria dos decisores políticos relativamente a cada vez mais frequentes paroxismos climáticos, geradores de impactos de grande magnitude e intensidade, causa, no mínimo, alguma estranheza. (...) Atribuir ao aquecimento global ou ao "El Niño" a responsabilidade da ocorrência destes paroxismos climáticos, ou recorrer a predestinações herdadas das nossas raízes judaico-cristãs, apenas contribui para alimentar atitudes de apatia e de maior indiferença relativamente ao seu papel no equilíbrio ecológico do planeta. Explicações provavelmente mais convenientes para a nossa consciência individual, mas absolutamente indesejáveis do ponto de vista da garantia de um convívio harmonioso com os outros elementos do ecossistema".
Este excerto, retirado do boletim informativo da Rede Portuguesa de Educação Ambiental, da autoria de Ana Monteiro, professora do Curso de Geografia da Faculdade de Letras do Porto, não deixa dúvidas quanto à urgência em fazer do ambiente um cavalo de batalha da sociedade mundial e, implicitamente, da sociedade portuguesa. Sem qualquer pretensão de transmitir uma visão catastrófica da realidade contemporânea, será legítimo, no entanto, perguntar-nos se poderemos, como até aqui, continuar a encarar o problema levianamente. É preciso consciencializar e inquietar.
Enquanto membro signatário de diversas convenções internacionais para a protecção do ambiente, o governo português tem vindo a fomentar, principalmente ao longo dos últimos dois anos, medidas que conduzam à introdução da educação ambiental nas escolas.
Esses esforços traduziram-se, nomeadamente, na criação de um programa de apoio a projectos de educação ambiental, em jardins de infância e escolas dos ensinos básico e secundário, com a assinatura, em Julho de 1996, de um protocolo de cooperação entre o Ministério do Ambiente e o Ministério da Educação, no âmbito da Educação Ambiental e da Aprendizagem das Bases Científicas do Ambiente.
Segundo este acordo, o Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB) comparticipa projectos de escolas, ou redes de escolas, com montantes que podem atingir, respectivamente, os quinhentos e os mil contos.
O mesmo protocolo prevê também a criação de mecanismos que facilitem a colaboração permanente de professores para a dinamização de projectos na área da Educação Ambiental. Para dar cumprimento a esta disposição, o ME disponibilizou uma quota de quinze destacamentos para o ano lectivo de 96/97 e 97/98, esperando-se que possa ser renovada para o ano lectivo 98/99. Cada professor pode candidatar-se através da apresentação de um projecto, a desenvolver obrigatoriamente em colaboração com Organizações Não Governamentais Ambientais (ONGA) ou associações de ONGA, devendo, para isso, obedecer a condições específicas de destacamento estipuladas pelo ME.
A adesão ao Programa Globe - um programa mundial de ciência e educação ambientais que congrega professores, estudantes e cientistas com vista ao estudo do ambiente global -, assinado em Outubro de 1996 entre aqueles dois ministérios e a National Oceanic and Atmospheric Administration, dos Estados Unidos, foi outro das medidas concretizadas. O acordo permitiu a participação directa de cinco escolas portuguesas numa rede de mundial de observação do ambiente, bem como a extensão do programa a todos os alunos do ensino básico e secundário através da Internet.

Que política?

A grande interrogação levantada por estas iniciativas, porém, passa por saber se elas se enquadram numa política de educação ambiental concertada, objectiva e dotada de instrumentos de avaliação capazes de determinar o seu alcance ou se, pelo contrário, não passam de acções isoladas, com pouco ou nenhum efeito prático. Por outro lado, é igualmente fundamental saber se a actual organização do sistema educativo português está preparada para responder a esse desafio e qual a melhor forma de cumpri-lo.
Graça Dias, professora da escola secundária de Guifões, em Matosinhos, está abrangida pelo programa de destacamentos do ME e encontra-se actualmente ao serviço do Centro Ambiental daquele concelho. A experiência de educadora, aliada ao facto de ser um elemento activo da associação ambiental Quercus, permite-lhe dizer que a boa vontade, por si só, não é suficiente, existindo ainda um longo caminho a percorrer.
"Apesar de já muitos educadores se encontrarem receptivos à educação ambiental - o aumento do número de participantes e de projectos demonstra-o -, muitos deles conduzem ainda práticas pedagógicas erradas, basicamente por desconherem melhores formas de actuação", explica.
Assim, levar os alunos numa visita de estudo à floresta ou mostrar-lhes como se recicla papel sem contextualizar essas acções, por exemplo, "é uma perda de tempo". Para que a mensagem passe é preciso que as crianças e os jovens saibam o que está em causa e compreendam o porquê das coisas. Se tudo funcionar ao contrário, o mais certo é que terminem o ensino secundário e não tenham a noção do que aprenderam. "A Educação Ambiental não deve ser imposta aos alunos, mas antes constituir um convite", afirma.
A introdução de uma disciplina curricular autónoma de Educação Ambiental está, para já, posta de parte pela ministra do Ambiente, que prefere vê-la "difundida na educação do indivíduo" e destacar o papel dos professores e da ligação entre a escola e o meio como um elo fundamental do processo.
Graça Dias concorda e diz que a mudança de atitude dos professores, nomeadamente em termos de trabalho interdisciplinar, é fundamental. Mas tal depende também, em grande medida, da alteração da filosofia e dos conteúdos da formação inicial. "Segundo tive oportunidade de saber, existe um projecto ministerial no sentido de reforçar a componente ambiental na formação inicial, mas não tenho informações que o dêem como definitivo", diz.
Até ao fim do ano, entretanto, poderão ser conhecidos novos desenvolvimentos no plano de Educação Ambiental nas escolas, com a apresentação e discussão pública, agendada para Setembro, no parlamento, daquilo que se poderá definir como uma espécie de lei de bases da Educação Ambiental. As ONGA, enquanto entidades reconhecidas como associações de cidadãos, serão chamadas a participar e a transmitir as suas opiniões.
Graça Dias considera que elas desempenham um papel crucial no seu planeamento, e que, inclusivamente, não devem esperar que seja o governo a avançar com propostas corajosas. Para compreender porquê, explica: "basta analisar a posição do Ministério do Ambiente português na recente Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, realizada em Quioto, no Japão, onde Elisa Ferreira defendeu o direito de Portugal, num quadro global, aumentar os seus índices de emissão poluentes".
As conclusões deste debate público serão apresentadas no 9º Encontro Nacional de Educação Ambiental, que decorrerá no Parque Biológico Municipal de Gaia, a partir de 2 de Outubro.

Ricardo Jorge Costa

* tb/qb (também e quanto baste)


  
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Edição:

N.º 68
Ano 7, Maio 1998

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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