Toshiro Mifune morreu a 24 de Dezembro último com 77 anos. Depois de, Sessue Hayakawa que, trabalhou no ocidente antes da guerra, Mifune representou para o mundo o cliché perfeito do japonês, graças à sua participação em numerosos filmes americanos ou estrangeiros - 'Tora, Tora, Tora' (1970), 'Inferno no Pacífico' (1971), 'Sol Vermelho' (1971). Mas, é evidente, que é a sua colaboração com Akira Kurosawa, que ficará mais presente na memória dos cinéfilos de todo o mundo. Mifune obtém o reconhecimento internacional no princípio dos anos 50 com 'Rashômon', apesar de o actor ser mais impressionante em 'Cão Enraivecido' rodado no ano anterior (1949). Como evocar o poder de Toshiro Mifune sem cair em generalidades? É um actor de presença prodigiosa, tão apto a utilizar o seu corpo - 'Sete Samurais' (1954) - como o seu rosto, tornando uma máscara fechada e profunda naquela que é a sua obra-prima absoluta - 'Entre o Céu e o Inferno' (Kurosawa, 1962). É impossível esquecer a imagem de Mifune na sua personagem de Barba Ruiva (Kurosawa, 1965), médico esclarecido, portador de saber e humanidade. Numa longa sequência, Barba Ruiva tenta que uma jovem histérica beba uma colher de xarope. Trémula, a jovem faz cair a colher cada vez que Mifune a aproxima da sua boca. Imperturbável, ele repete o movimento até que a jovem a aceite. O espectador espera uma reacção violenta de Barba Ruiva: mas ele só se detém no fim. Mifune resume neste cena a teimosia e a bondade de um homem justo, unicamente movido pelo seu amor ao próximo. Há poucos actores capazes de transmitir com uma tal economia de gestos e expressões uma ideia tão subtil e universal. A arte e o segredo de Toshiro Mifune foram-se com ele...
Paulo Teixeira de Sousa
|