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Maior Decência (Social e Salarial) para a Docência


estatuto profissional do professor continua em baixa

O Ministério da Educação lançou em discussão pública, recentemente, várias medidas tendentes a alterar a realidade das escolas. Todas elas têm como pressuposto que só serão actuantes e transformadoras se forem apoiadas na iniciativa, espírito de inovação e empenhamento dos docentes. No entanto, o decreto que regulamenta a remuneração salarial e a estrutura da carreira docente, continua por discutir e não se afigura que exista vontade de o alterar significativamente.
Todos reconhecem que o estatuto social da profissão docente continua em decadência e o nível salarial da profissão em baixa. E ninguém ignora que a sociedade pede cada vez mais intervenção e esforço aos educadores e professores. O certo é que as condições de trabalho, de remuneração e de estatuto, já não atraem à profissão os estudantes mais qualificados e não encorajam os melhores profissionais a manterem-se nas escolas. Num momento em que a sociedade e as autoridades escolares exigem mais aos professores e educadores o que podem estes esperar em troca?
A actividade docente tem vindo a tornar-se cada vez mais complexa e exigente. Esta exigência requer uma formação inicial e continuada mais larga, global e profunda. Apesar disso poucas ou nenhumas medidas concretas se têm tomado no sentido de melhorar o estatuto social da profissão, especialmente do ponto de vista remuneratório. Se a profissão é cada vez mais intelectual ela exige dos docentes ritmos, recursos, tempo, espaços, organização, que permitam o estudo e a reflexão individual e colectiva, o planeamento da intervenção de modo a melhorar a resposta educativa e a alcançar níveis elevados de sucesso. Mas nenhum passo foi dado para criar estas novas condições de trabalho e de reconhecimento.
O tempo e a experiência mostram com clareza que já não é possível manter a linguagem retórica que por um lado reconhece a importância da profissão e ao mesmo tempo promove a degradação real das condições de trabalho e de vida dos educadores e professores.
Já em 1966, a UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), adoptaram uma recomendação conjunta, relacionada com a situação do pessoal docente, na qual afirmam: 'A situação do pessoal docente deveria corresponder às exigências da educação, subordinadas com clareza às finalidades e objectivos docentes; para se alcançar de forma completa estas finalidades e objectivos é necessário que os educadores desfrutem de uma situação justa e que a profissão docente goze do respeito público que merece'. A opinião dos porta-vozes dos docentes de todas as regiões do mundo é praticamente unânime: o estatuto social e salarial dos docentes não só não melhorou como se degradou desde 1966.

Massificação
O objectivo de assegurar a todas as crianças e jovens não só o ensino básico, mas permitir que cada um vá o mais longe possível no processo de ensino, teve, em muitos países, como consequência directa o recrutamento massivo de docentes. Em Portugal este fenómeno ocorreu nas décadas de setenta e oitenta. Em quase todas estas situações, este recrutamento fez-se com parcos recursos, esquecendo qualificações profissionais, sacrificando a qualidade à quantidade. Como consequência mais visível assistimos à deterioração da imagem social da profissão. Um inquérito da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO de 1996 mostra que o nível de vida dos docentes se deteriorou, quer nos países industrializados como nos países em vias de desenvolvimento. Em Portugal esta evidência é sentida por toda a classe.
Medidas preconizadas por organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), contribuíram ainda mais para esta decadência. Estas políticas orientadas para a redução dos custos com a educação centraram-se sobretudo na utilização mais intensiva da mão-de-obra docente. Isto significou, em muitos países, o aumento do número de alunos e de horas lectivas por professor. E tudo isto quando o novo tipo de população escolar exigia um atendimento mais individualizado, bem como uma libertação dos professores de carga lectiva de modo a poderem encarar de outro modo a sua formação, a redefinição dos métodos de trabalho, a produção de novos materiais pedagógicos ou a construção de currículos mais ajustados à população escolar com quem trabalhavam.
Em Portugal, terminado este período de expansão descontrolada do sistema, era de esperar que o Ministério da Educação tomasse medidas claras sobre as novas formações dos docentes e, ao mesmo tempo, definisse, com clareza, quem pode, e em que condições pode, exercer a profissão. É nosso entendimento que só existem duas maneiras de se entrar na profissão, ou se é profissionalizado e se entra com acompanhamento devido, ou não sendo profissionalizado, mas possuindo habilitações científicas para a docência, se entra em regime de profissionalização. Tal como acontece noutras profissões é impensável continuar a permitir o acesso à profissão a pessoas, possivelmente bem intencionadas, mas sem qualificação profissional e, mais grave ainda, sem qualquer forma de acompanhamento por profissionais devidamente habilitados. A definição clara dos níveis de exigência profissional para se exercer a profissão é, sem dúvida, um dos elementos capazes de inverter o desprestígio da profissão e elevar o estatuto remuneratório e social dos docentes.
Em todo o mundo se manifesta, claramente, a relação entre estatuto social dos docentes e condições de trabalho, em particular os seus salários. Está, desde há muito, demonstrado que níveis de remuneração mais elevados, não só facilitam uma melhor formação dos professores - em sentido global - como determinam uma avaliação mais positiva da sociedade em relação aos docentes e à educação e facilitam o trabalho dos professores e o seu entendimento com outros intervenientes no sistema.
Uma política de emagrecimento progressivo dos salários dos professores, afasta desta área de trabalho candidatos vocacionados para esta profissão, afasta docentes em exercício que procuram outras actividades mais atraentes, obriga muitos a procurar um segundo emprego, numa palavra, é um dos mais fortes factores de degradação da profissão e da qualidade do ensino.
Parece não oferecer dúvidas que o investimento em educação continua a ser o mais importante que cada sociedade pode fazer em relação ao presente e ao futuro. E é também claro que já não é possível mobilizar os docentes com um reconhecimento puramente simbólico. Os governos têm de olhar com clareza esta realidade. Se não encontrarem respostas concretas que alterem o mal estar docente de pouco lhes adianta legislar ou promover 'debates públicos'.

José Paulo Serralheiro

  
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Edição:

N.º 66
Ano 7, Março 1998

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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