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Telemóvel ou CD Rom? (editorial em quatro andamentos)

1 - Parece ou transparece que(triste)

Os juízes abandonam, cada vez mais, o tradicional silêncio e vão falando...
Os universitários resmungam...
Os médicos balançam-se entre o recolhimento e a apresentação pública das suas proezas técnicas, numa tentativa de salvarem a credibilidade perante a opinião pública...
Os professores lamentam-se e, em voz baixa ou em voz alta, exigem mais respeito...
Os altos funcionários da segurança social oscilam entre o anúncio da derrocada iminente do sistema e o lançamento de medidas mais mediáticas que estruturais...
Os polícias protegem-se, cabisbaixos, no primeiro vão de escada que encontram...
Os deputados, perdidas as ideias e os ideais, insultam-se...

2 - Nós também não(triste com angústia)

Como se sabe este jornal privilegia o ensino e a educação. Preocupa-nos o sistema educativo na sua globalidade. Intencionalmente privilegiamos as opiniões, os estudos e as ideias que ajudem a compreender a crise do sistema educativo e facilitem o aparecimento de propostas que possam contribuir para a sua superação.
Interessam-nos pouco, ou mesmo nada, as notícias que fazem o dia a dia da comunicação social dita de massas. O caso do Chico que cuspiu quando a professora passava não nos leva a escrever 'aluno cospe na professora'. Mas pode levar-nos a escrever sobre o problema da violência, ou dos maus costumes, na sociedade, e a tentar entender como uma e a outra se reflectem na escola. No plano editorial esta opção anda próxima do suicídio económico. O que está a dar, na televisão, na imprensa, na rádio, é vender publicidade. Difundir informação e opinião é coisa pouco moderna.
Haverá, em Portugal, espaço para a sobrevivência de um jornal que apenas aposta na informação e na opinião? Um beijo trocado no pátio de uma escola por uma Carlos que tem 16 anos e uma Joana de 15 poderá ser gordo escândalo sexual escancarado em primeira página?
Embora na constante incerteza da sobrevivência, continuamos a achar que aquele não é o caminho e continuamos a pensar que a nossa linha editorial deve manter-se e que só ela poderá levar a surjam novos leitores.

3 - O Ministério, diferentemente(vivaço)

O Ministério da Educação não resiste à mediatização e aos benefícios que dela julga obter. É bom que os jornais escrevem que as 'Escolas vão estar ligadas à Internet'. Dizer-se, hoje, ligado à Internet é estatuto de modernidade e proporciona títulos simpáticos do género 'As Escolas Portuguesas Antecipam o Século XXI'.
Isto levanta o moral da população, desde que se ignore que há um elevado número de escolas que ainda não têm telefone. Claro que isto acontece no 1º Ciclo e no Pré-Escolar e, como tal, dir-se-á, não tem tanta importância.
Quantos alunos vão ter acesso à Internet, NET para os amigos? Já sabemos que nem todas as escolas podem ficar ligadas à rede, o que não sabemos é quantos terminais de computador vão ser instalados em cada escola contemplada. Sei de uma escola que acabou por retirar a única mesa de ping-pong que possuia: eram muitos os alunos que queriam jogar e a mesa transformou-se numa fonte de conflitos.
Outra título simpático da comunicação social foi o que nos revelou que 'escolas vão ter telemóveis'. Não ficamos a saber quantas e quais vão ser as contempladas, o que sabemos é que as muitas que não possuem contacto ficariam satisfeitas com um simples aparelho da rede fixa, quiçá mais barato.
A pobreza dos orçamentos das nossas escolas, em particular as do 1º ciclo e os jardins de infância da Rede da Educação Pré-escolar, é do conhecimento público. Considerada a nossa rede escolar, na sua globalidade, sabemos que a maioria das escolas não tem dinheiro para comprar um livro ou para assinar uma revista ou para adquirir um simples jornal.
Notícia seria a de um reforço orçamental para todas as escolas, suficientemente generoso para que um jornal pudesse titular que as 'escolas já podem comprar lixívia para desinfectar as retretes'. Mas onde é que já se viu uma coisa assim, tão desprestigiante, tão alarmista? Inteligentemente o ministério já percebeu que o que está a dar é outra coisa. O que vale a pena é chamar os senhores jornalistas para acompanhar os senhores governantes numas quantas visitas a umas quantas escolas onde há um pedacinho de sucesso e de modernidade para fotografar e filmar. Mesmo que o rejuvenescimento do velho edifício seja ilusório. Não há meios mas há avontade de quem nos governa.

4 - Está na hora do CD-Rom(muito alegre)

Nesta onda da mediatização, é imperdoável que o Ministério não pense em qualquer iniciativa em que entre um CD-Rom. Este produto é tão moderno que só pronunciar o nome dele faz-nos sentir no futuro. Imagine-se a toda a largura de uma página, com chamada na primeira: 'Ministério distribui CD-Roms às escolas'. É investimento seguro. Desde que sustentado pelo diálogo e pela discussão pública. Tudo, aliás, deve ser objecto de discussão pública... Qualquer ideia nova, qualquer proposta diferente, tudo deve ser passado ao papel e, logo de seguida, posto à discussão pública. Com muito frenesim. Isto garante tranquilidade a quem impõe no terreno as velhas práticas, os velhos projectos, as propostas de sempre, produzidos pela mesma gente, há muitos e muitos anos, desde o princípio.
O que o Ministério deve evitar é organizar-se de modo a dar voz aos que lidam diariamente com a realidade, conhecem os problemas e têm para eles propostas de solução. Se o fizer corre o risco de se ver confrontado com a necessidade de investir seriamente na Educação. E isso é caro. É muito mais caro do que comprar meia dúzia de telemóveis ou duzia e meia de CD Roms. A mediatização da política educativa é mais barata e dá bons dividendos políticos, sobretudo se acompanhada com uma boa gargalhada e com sorrisos à direita e à esquerda.

José Paulo Serralheiro


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 65
Ano 7, Fevereiro 1998

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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