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Percurso Escolar é Condicionado por Percurso Económico dos Pais

Um estudo encomendado pelo Conselho Nacional de Acção Social Escolar (Cnases) - intitulado Inquérito Socioeconómico aos Estudantes do Ensino Superior - demonstrou existirem graves carências ao nível da acção social escolar (ASE): 56 por cento de estudantes provenientes de famílias com rendimentos inferiores a cem mil escudos não recebem bolsa de estudo e 50 por cento dos alunos com agregados semelhantes nunca tiveram direito a tal benefício social.

Estes dados permitem perceber que a exclusão no ensino superior não se explica com a repetência. O estudo elaborado pelo Instituto de Investigações Sociológicas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, conclui que não existe igualdade de oportunidades no acesso aos bens educativos: o percurso escolar dos jovens é ainda muito condicionado pelos recursos culturais e socioeconómicos dos pais. O papel de democratização que o ensino superior deveria desempenhar acaba por ser feito apenas pelos politécnicos e universidades de periferia.

A região de residência do agregado familiar, segundo os sociólogos, também é factor decisivo e determinante no acesso ao ensino superior. Isto porque os dados mostram que uma grande percentagem dos estudantes deslocados é constituída por indivíduos provenientes de agregados com rendimentos reduzidos - 29 por cento têm famílias com salários inferiores a cem mil escudos e 34 por cento entre cem a 200 mil escudos - e apenas dez por cento destes estudantes têm lugar numa residência universitária.

Apesar de tudo, os resultados mostram que a distribuição de bolsas de estudo se concentra nos grupos de rendimentos mais baixos: 92 por cento dos bolseiros pertencem a agregados que ganham menos de 200 mil escudos, sendo que 54 por cento têm rendimentos inferiores a cem mil escudos e 39 por cento entre cem a 200 mil escudos. Falta resolver o problema dos tais 56 por cento dos alunos cujos pais ganham menos de cem mil escudos e não têm bolsas.

Ainda de acordo com o referido estudo, que, segundo o Ministério da Educação será orientador das políticas educativas mais imediatas, apenas 15 por cento dos estudantes do ensino superior são bolseiros e os montantes de apoio atingem, em média, os 19 mil escudos. 27 por cento recebe bolsas entre 10 a 14 contos, sendo o escalão mais comum entre os bolseiros, e apenas quatro por cento dos alunos carenciados têm direito a mais de 30 contos.

Quanto à distribuição de estudantes bolseiros pelos sub-sistemas de ensino, verifica-se que o politécnico tem 24 por cento, o universitário público 20 por cento e o privado apenas dois por cento.

Manifestação Desordeira

Por causa das injustiças que a Lei-Quadro do Financiamento do Ensino Superior provoca, principalmente para os bolseiros, os estudantes saíram à rua em manifestações diversas. Em Coimbra invadiram-se salas de aula, em Castelo Branco encerraram-se as escolas, no Porto realizou-se uma vigília nocturna de bolseiros e em Trás-os-Montes e Alto Douro, a associação académica optou por fazer um abaixo-assinado a exigir a 'imediata suspensão e consequente revogação da lei'. Mas foi em Lisboa que as coisas ganharam proporções mais sérias: Uma marcha de estudantes que acabou com pedras pelo ar, confrontos com a polícia e feridos a receber tratamento hospitalar.

A marcha começou de uma forma pacífica, mas, uma vez em frente à Assembleia da República, alguns estudantes tentaram romper a barreira policial ao fundo das escadarias. Avançaram contra a grade de protecção, os polícias tentaram detê-los e foi aí que começou a confusão. Começaram as bastonadas, caíram pedras e até um 'cocktail Molotov'. Passado algum tempo um primeiro polícia foi obrigado a abandonar o local para receber assistência. Tinha sido apedrejado e sangrava de um ouvido. Após isso, surgia o corpo de intervenção da PSP, o que não evitou que uma outra pedra causasse um ferido entre a polícia.

Mas os estudantes não ficaram imunes à violência e um aluno da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas também ficou com a cabeça partida, provavelmente devido a uma bastonada. As tentativas de invasão da Assembleia da República repetiram-se mais algumas vezes e somente às 18 e 30 a manifestação dispersou.

Alguns estudantes garantem que foram anarquistas e dirigentes políticos do PSR que começaram com tudo, mas o que é certo é que os estudantes, pelo menos em Lisboa, estão divididos, pois o presidente da Associação Académica de Lisboa, Rui Morais, enquanto falava à comunicação social foi várias vezes insultado pelos seus colegas universitários com nomes pouco simpáticos.

Um Caso Polémico de Recusa de Bolsa

Se por vezes uma resposta negativa a um pedido de bolsa vem de encontro ao que o aluno esperava, também não deixa de ser verdade que, em muitas outras situações, o 'não' pode ser muito injusto. O pior é quando se recebem explicações como a que foi dada a uma aluna do Instituto Politécnico do Porto (IPP) pela administradora dos serviços sociais: O processo foi indeferido por 'o total de proveitos declarados em candidatura ser insuficiente para sobrevivência do agregado familiar a que pertence.

Na mesma carta, aquela responsável do IPP alerta: 'Apenas serão aceites pedidos de revisão de processo aos alunos do 1º ano que se inscreveram pela primeira vez no ensino superior'.

O que mais indigna o presidente da associação de estudantes da Escola Superior de Educação do IPP, José Pereira, é o facto da administradora, 'antes de comprovar os dados apresentados, ter desconfiado da veracidade dos mesmos e ter recusado o pedido'. Por isso mesmo, a carta recebida por aquela aluna foi afixada nas escolas do IPP, o que valeu um processo a José Pereira interposto pela administradora dos serviços sociais do IPP.

 

Luísa Melo


  
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Edição:

N.º 64
Ano 7, Janeiro 1998

Autoria:

Luísa Melo
Jornalista
Luísa Melo
Jornalista

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