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Inconstitucional, Disseram Eles.

Num período em que o Tribunal Constitucional regressa como protagonista da actualidade política por via das inconstitucionalidades que declara, será interessante rever o desenho constitucional português actual no que concerne à garantia da Constituição e fiscalização da constitucionalidade das normas. Esta fiscalização significa, no essencial, que a Constituição é a lei essencial, a lei básica do país e que toda a ordem jurídica deve ser conforme com ela, pelo que todas as normas a devem respeitar, sob pena de serem consideradas inconstitucionais.

A primeira forma de fiscalização é a chamada fiscalização preventiva da inconstitucionalidade por acção, por via da qual se procede ao controle das normas, junto do Tribunal Constitucional, antes da sua própria introdução na ordem jurídica. Os recentes casos do diploma que cria as regiões ou do que decreta a abolição das 'portagens do oeste' são exemplos deste tipo de fiscalização preventiva, cuja iniciativa reside, de forma predominante mas ainda que não exclusiva, no Presidente da República.

Existe depois uma segunda forma que é a fiscalização sucessiva (porque as normas que são objecto de fiscalização já estão integradas na ordem jurídica) e concreta da inconstitucionalidade por acção. Chama-se concreta porque o que está aqui em causa é a dúvida que pode ser suscitada em qualquer caso concreto que esteja a ser julgado em qualquer tribunal, seja num caso de despejo, num caso de despedimento, num acidente de viação, num processo crime ou em qualquer outra circunstancia susceptível de ser objecto de uma acção judicial. Aí, nesse processo concreto, qualquer das partes ou o juiz da causa podem suscitar a existência de inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento, devendo tal inconstitucionalidade ser apreciada, em primeira linha, por esse próprio juíz (dado que a competência para julgar da inconstitucionalidade é reconhecida a todos os tribunais), daí cabendo sempre recurso, no que toca a essa apreciação, para o Tribunal Constitucional. Uma outra hipótese de fiscalização, também sucessiva, existe quando certos órgãos públicos (Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro Ministro, certo número de deputados...) suscitam, também junto do Tribunal Constitucional, a apreciação da inconstitucionalidade de qualquer norma já existente na ordem jurídica, independentemente da sua aplicabilidade ou não em quaisquer caso concreto, por isso se chamando de fiscalização sucessiva abstracta. Um aspecto interessante de discutir um dia será o da possibilidade de este tipo de apreciação poder ser da iniciativa da generalidade dos cidadãos ou, ao menos, dos interessados na fiscalização da norma.

Por último, e para além destas três formas de fiscalização da inconstitucionalidade por acção (ou seja, de normas concretas que já existem ou que se preparam para entrar em vigor), existe ainda a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão. É a fiscalização das omissões legislativas, as quais podem ser apreciadas pelo Tribunal Constitucional por iniciativa, sobretudo, do Presidente da República ou do Provedor de Justiça. Está pois em causa, nesta interessante forma de fiscalização, a falta de medidas legislativas cuja existência a própria Constituição prevê e impõe. No entanto, a decisão que o Tribunal Constitucional proferir nestes casos tem como efeito prático apenas a certificação da omissão e uma consequente participação de tal decisão, para conhecimento, ao órgão legislativo competente para a produção legislativa em causa. Trata-se portanto - e como é típico e frequente nestas matérias das inconstitucionalidades - de um efeito mais político do que jurídico ou, dito de outra forma, de uma situação em que o estritamente jurídico se reveja na sua verdadeira dimensão pública e social.

Rui Assis


  
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Edição:

N.º 64
Ano 7, Janeiro 1998

Autoria:

Rui Assis
Jurista
Rui Assis
Jurista

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