Página  >  Edições  >  Edição N.º 202, série II  >  Polemologia: olimpismo e cultura de competição

Polemologia: olimpismo e cultura de competição

O desporto transformou-se num dos mais significativos polos de interesse comum à escala do planeta, desencadeando os rituais competitivos de origem biológica inerentes à condição humana.

Em 1945, Gaston Bouthoul (1896-1980) cunhou o termo polemologia, a partir do qual fundamentou uma nova disciplina científica que tem como objetivo o estudo científico da guerra e da agressividade organizada, a fim de se compreenderem as formas violentas do comportamento humano e melhor as controlar. Ao encarar de forma positiva o estudo da guerra, Bouthoul abriu as portas àqueles que se interessam verdadeiramente pelo estudo das origens do fenómeno desportivo que organiza a violência que move a ação dos homens em busca do prazer lúdico da luta competitiva.
O instinto da luta pela sobrevivência, enquanto explicação ontológica da guerra, encontra-se inscrito no código genético da humanidade que, como expressou Heraclito, é o pai de todas as coisas. Assim sendo, a problemática da guerra passa pelo estudo multidisciplinar do instinto belicista que caracteriza a condição humana.
Como sabiam que, na sua ânsia de poder e de glória, os homens tinham necessidade de violência para se sentirem realizados, os gregos antigos inventaram os Jogos e, deste modo, sem os custos trágicos da guerra, tornaram a paz excitante e gloriosa, através do prazer lúdico da violência controlada.
Foi também nesta perspetiva que, em finais do século XIX, Pierre de Coubertin (1863-1937) idealizou a institucionalização dos Jogos Olímpicos da era moderna, com o objetivo de ultrapassar a enorme crise de degenerescência em que os franceses se encontravam desde a derrota de Napoleão III em Sedan (02.09.1870).
Contudo, como se pode verificar nas suas memórias, Coubertin teve como preocupação instituir no novo movimento olímpico uma dinâmica de paz, procurando sentar à mesa das conversações países beligerantes, convencendo-os de que era possível transferir para os campos da luta competitiva no desporto as disputas políticas até então resolvidas nos campos de batalha. Ele considerava as “lutas pacíficas e corteses” o “melhor dos internacionalismos”, através do qual era possível superar a cultura de guerra que imperava na Europa. Ao fazê-lo, desencadeou um novo paradigma de organização social em que o jogo, enquanto instinto, através da competição desportiva organizada, passou a representar a metáfora da guerra, de maneira a que as necessidades mais primitivas do Homem, de luta pela sobrevivência, fossem satisfeitas.
Foi neste sentido que a União Soviética aderiu ao movimento olímpico, em 1952. E que, perante os êxitos desportivos dos soviéticos, os EUA iniciaram, a partir dos anos 60, na era Kennedy, uma cruzada pela supremacia olímpica, transferindo para os campos desportivos as contendas da “guerra fria”.
Mais recentemente, este espírito ficou bem expresso nas palavras de Fidel de Castro, ao comentar a deserção de dois pugilistas cubanos aquando dos Jogos Pan-Americanos realizados no Rio de Janeiro (2007) – “o atleta que abandona a sua delegação é como o soldado que abandona os seus companheiros no meio do combate”.
Independentemente do seu tamanho, população, potencial económico ou militar, as nações concretizam muitos dos seus sonhos de luta, de grandeza e de glória, através do desporto. Ora, esta importância só acontece porque Coubertin, apesar das suas origens sociais, defendia com empenhada convicção a democratização da prática desportiva. Para ele, “a cooperação desportiva possui características que fazem dela uma escola preparatória para a democracia”.
Hoje, tal como acontecia nos tempos da Grécia antiga, o desporto transformou-se num dos mais significativos polos de interesse comum, à escala do planeta, e anima os Homens através dos múltiplos eventos que, direta ou indiretamente, desencadeiam em ação cultural os rituais competitivos de origem biológica inerentes à condição humana.

Gustavo Pires


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo