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Descolonizar a Escola para dialogar com os vários mundo

Uma das aprendizagens que a Escola pode ter com os estudos pós-coloniais é a compreensão de que o mundo é muito maior do que o imaginamos. Mesmo o mundo que ‘conhecemos’, nossos limites impedem-nos de percebê-lo totalmente. A única certeza são nossas ignorâncias em relação ao que pensamos conhecer e nossos desconhecimentos de outros mundos que compõem a ‘pluriversidade’
Não se trata apenas de ampliar os conhecimentos de alunos, não se trata apenas de colocá-los em contato com outras formas de ser e estar no mundo, construindo a noção ética do respeito à diversidade pluri e intercultural.
Tudo isso é importante, mas o principal desafio é criar instrumentos metodológicos para que naveguemos por outros mares e desconfiemos que abaixo e por cima do Equador, à direita e esquerda do Meridional, há sociedades que se organizam legitimamente.
A legitimidade do outro existir conforme seus hábitos, costumes e organização social exige inverter a lógica cartesiana, não é o pensar que possibilita o existir, todos pensamos e convivemos de acordo com nossos hábitos e costumes comuns a cada cultura.
A imposição de uma forma como superior às outras é resultado da expansão colonial hierarquizadora, onde uns, para serem mais, fazem de outros menos. Paulo Freire, em «Pedagogia do Oprimido», já apontava a necessidade de uma educação que contribua para uma nova forma de ser e estar com o mundo, em que toda gente possa se realizar, sem implicar que a ‘mais valia’ de uns seja a ‘menos valia’ de outros.

Que outros mundos dialoguem com e na aula. Descolonizar a educação, em direção ao reconhecimento do outro, implica dar consequência a temas e práticas pedagógicas capazes de possibilitar outras formas de diálogo entre os povos.
A fome, por exemplo, é um tema importante. Em geral, sua explicação está associada apenas a uma visão racista e geografada do mundo. Reforçando, assim, a ideia de que a fome é resultado de um atraso do desenvolvimento e da ignorância dos povos do sul; como consequência, a solução seria uma ‘ajuda’ para se ‘desenvolverem’.
Essa falsa ajuda é parte do processo de acumulação do capitalismo de vender sua perversidade como solução.
Entretanto, as experiências de campesinos organizados na Via Camponesa demonstram que, ao contrário dessa hipótese, a fome é resultante das ações coloniais e do ‘desenvolvimento’ capitalista.
O acesso aos alimentos, nessa lógica que os entende como mercadoria e não como direito humano fundamental, é realizado através do mercado, impondo um corte segregacional baseado não apenas na cor da pele ou da região geográfica, mas fundamentalmente na pobreza e concentração da renda e da propriedade, especialmente da terra.
Seja da Oceânia, das Américas, África, Ásia ou Europa, se estiver em quadro de absoluta pobreza e sem recursos de disputa no mercado, haverá fome. Não é por outra razão que, em todas as regiões, em grandes centros urbanos e entre os habitantes do campo sem acesso a terra, a carência alimentar vem crescendo.

Há alternativas? Podemos viver em mundos que se respeitem? Talvez contribua para nossas reflexões o pensamento do professor Boaventura de Sousa Santos: “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.
O conceito de soberania alimentar, que vem sendo proposto pela Via Campesina desde 1996, ajuda a concretizar o pensamento de Boaventura. Mais do que garantir acesso de toda gente aos alimentos, é preciso respeitar a diversidade alimentar e as tradições de produção e consumo dos diferentes povos, integrando com as lutas contra as relações assimétricas de poder sexual, econômico, cultural, ambiental e outros, como pode ser observado no sítio http://viacampesina.org/es/.

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José Guilherme Gonzaga
Doutorando na Universidade Federal Fluminense (Brasil)


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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