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Animais selvagens na Casa Andresen

Mais de 120 animais selvagens estão “à solta” na Casa Andresen, onde viveram dois nomes de referência da literatura portuguesa: Sophia de Mello Breyner Andresen e Ruben A. Situada no Jardim Botânico do Porto, a casa foi ocupada por 42 espécies de animais, colocados em cenários que retratam os seus habitats e comportamentos naturais.

Um búfalo africano guarda esta “Invasão da Casa Andresen”, uma exposição criada pelo escultor taxidérmico Antonio Pérez e que está patente até 18 de novembro, mostrando as poses, os cenários de caça, os confrontos, os instintos, o descanso, tal e qual como no habitat destes animais selvagens. E enquanto a pantera negra, o rinoceronte branco, o javali africano, a girafa, o gamo, os lobos, o urso-pardo, os javalis e as suas crias, o porco-espinho ou a hiena malhada sossegam, outros estão em ação: cabras-montês estão em confronto (como se estivessem em época de acasalamento, quando os machos combatem por uma posição na hierarquia e pelas fêmeas), um tigre caça um chital, um leopardo apanha uma impala e os leões caçam zebras. São cenários dinâmicos, sustentados no ar, quase reais.
E é às escuras que os visitantes são convidados a explorar a casa invadida, bem como a reparar na beleza dos pormenores esculpidos que fazem com que todos aqueles animais pareçam vivos. Algo que só é possível graças à técnica utilizada pelo artista e que mais tarde é explicada na exposição. É com uma lanterna, e num cenário sonoro criado por Manuel Cruz e Nuno Mendes, que os visitantes podem descobrir as poses e deixar-se surpreender.
“Tínhamos alguns constrangimentos. A casa é bastante exposta ao sol e os animais, as peles, danificam-se com exposição direta à luz solar. A necessidade de uma solução técnica para este problema acabou por favorecer o lado percetivo, emotivo e narrativo da instalação. Acentuar o caráter cénico da visita, aumentar a adrenalina no visitante, tornar a experiência inesquecível. Assegurar cenas mais autónomas entre elas, a atenção ao detalhe, a possibilidade de partir do particular para o geral e não o contrário, a relação entre o que é visto e o que está sempre por ver, aumentando o efeito da surpresa. A sensação de estar no meio de algo maior do que na realidade é, disfarçando os limites da casa, mas ao mesmo tempo revelando-a em pequenos apontamentos visuais, uma porta, um degrau, um bocado de rodapé”, explicou à PÁGINA Luís Mendonça, comissário da exposição, acrescentando: “No mínimo, pretendíamos contrariar a ideia de que ao entrar na exposição já está tudo visto e, no máximo, obrigar o visitante a participar ativamente, pois cada passo, cada movimento da cabeça, confere uma dinâmica.”

Conhecer as espécies

No momento de visualização dos animais não há nomes escritos, nem grandes explicações. É importante que os visitantes se deixem contagiar pelo imaginário criado. Mas mais tarde, na segunda parte da exposição, e graças aos números colocados no chão, é possível conhecer melhor e identificar as espécies em causa.
Esta “montagem” é intencional e tem um propósito.
No Museu da Ciência, em Espanha, onde o trabalho de Antonio Pérez esteve exposto e foi descoberto pela equipa responsável pela sua vinda ao Porto, “a exposição estava montada de forma convencional, onde as cenas expostas eram explicadas com legendas em painéis”. Uma vez que “as peças são sugestivas e se prestam à encenação”, ficou decidido dar outra imagem à exposição, aliviando “a carga descritiva e ilustrativa, a carga racional, para acentuar mais o lado sensorial”, continua Luís Mendonça.
Então, depois do contacto com os animais, é tempo de subir ao segundo piso e de identificar as espécies que invadiram a Casa Andresen. Na Sala de Intervenção, um espaço onde o ambiente é científico, uma espécie de laboratório, existem dossiês sobre os animais, com diversas informações, como o seu nome científico, as suas características e do seu habitat, o seu estatuto de conservação, entre outras. Depois é explicada a técnica utilizada pelo artista, a taxidermia, e através de vários suportes é possível conhecer todo o processo, desde o curtimento da pele até à maquilhagem e todas as técnicas que ajudam a reproduzir de forma mais fidedigna as caraterísticas que os animais tinham em vida.

Maria João Leite

 Jardim Botânico do Porto, Rua do Campo Alegre, 1191. A “Invasão da Casa Andresen” pode ser visitada de terça a sexta-feira, das 11h às 19 horas, e ao fim de semana, a partir das 10 horas. O preço dos bilhetes varia entre 1,50 euros (crianças, idosos e portadores do cartão jovem) e 2,50 euros (adultos).

Ora diga lá…
Luís Mendonça
comissário da exposição

O que levou os animais a invadirem a Casa Andresen? Por que foi este o local escolhido?

Pela pertinência, pela coincidência e pela necessidade, digamos. Sabíamos da referência que Sophia de Mello Breyner faz, num dos seus textos, à baleia do Museu de História Natural da Universidade do Porto, e que imagina na sua casa. Conhecíamos os animais esculpidos por Antonio Pérez, a sua pose e encenação sugestivas.
Associámos isto entre si e à intenção de fazer na casa a Galeria da Biodiversidade. Estavam reunidas as condições físicas e concetuais para a metáfora da invasão, para a reivindicação simbólica (mas também pragmática) da ocupação da casa por parte dos animais.

A exposição é, então, uma “ponte” para a futura Galeria da Biodiversidade?

Sim, foi esse o grande motivo da exposição. Tínhamos de assinalar o momento, e lançar uma novidade destas supõe uma certa dinâmica e não apenas um anúncio de intenções. Expetativa, movimento, agitação, festejo, mistério, surpresa, luz, música, envolvimento, desejo, emoções… A reação aos animais não se fez esperar.
A ideia não é atrair atenções apenas por atrair, mas propor algo dialogante com a identidade da casa, com o imaginário que a rodeia, com as realidades que ela envolverá num futuro muito próximo. Algo que antecipa as futuras funções da casa, algo sugestivo da razão de ser do projeto.

O número de visitantes tem correspondido às expetativas?

Temos indicação de bastantes entradas, mas esperamos que o regresso às aulas aumente a procura. Acreditamos que muitas escolas quererão aproveitar esta oportunidade única para trabalhar os mais diversos temas.
Professores de Biologia, de Artes Plásticas, de Português e de outras línguas, de Geografia, de Fotografia, de Música, de Dança, de Teatro, etc., encontrarão aqui muitas possibilidades de resposta às suas intenções, formatos e temas de aula. A exposição presta-se aos inúmeros desafios em que professores e alunos se queiram aventurar, podendo fazer a diferença e gravar na memória algo de inesquecível.

Há iniciativas a decorrer em paralelo. Pode destacar alguma?

Sim, há várias iniciativas muito diferentes, porque a diversidade é, afinal, o centro da atenção. Mas destaco o lançamento de um livro, em finais de setembro ou início de outubro, que tem a participação de mais de 50 escritores e ilustradores. O mote – a invasão da casa – pressupõe um mapa que se desdobra num sem número de temas e subtemas, focando as espécies invasoras, o seu habitat, a viagem, a casa, o movimento, etc. Foi com este mapa que se desafiou os autores a produzirem. Pretendia-se, não um documento que se confinasse a comentar a exposição, como documento de arquivo, mas um objeto proactivo e permeável a inúmeras formas de ver e de pensar. Um livro capaz de encontrar os leitores mais diversos e que fizesse jus ao que se pretende do futuro da casa: ser um farol, e não um repositório, sobre o universo a tratar – a biodiversidade.


  
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Edição:

Edição N.º 201, série II
Outono 2013

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