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O que nos dizem os ravers sobre a vida contemporânea?

Os elementos constituintes das raves englobam um universo cujo maior objetivo é “festejar” o que há de mais fascinante nos tempos pós-modernos: a movimentação, as novas tecnologias, as cores e os sons vibrantes, a união coletiva de eus solitários em êxtase.

Uma música interminável. Corpos em movimento que celebram o prazer da vida, o gozo do presente, a felicidade do estar junto. Individualidades delirantes que mesclam som eletrônico, drogas, aparatos tecnológicos, e uma multidão participando de uma espécie de transe coletivo hedonista. Eis um cenário dos eventos rave, festa realizada, frequentemente, longe dos centros urbanos, em sítios ou armazéns abandonados e com longa duração, podendo variar de 12 horas até sete dias.
A vida nas sociedades contemporâneas tem sido marcada por uma estrutura social complexa, onde os indivíduos são constantemente incitados a espetáculos inundados por imagens, símbolos, propagandas, mercadorias, representações.
Os jovens que freqüentam as raves configuram esse tipo de existência afinada com sentimentos, valores e comportamentos da condição pós-moderna. É uma espécie de neo-tribo global, com vínculos efêmeros, em que as fronteiras geográficas se revelam sem importância ou mesmo inexistentes. Eventos rave que acontecem no Brasil, em Portugal, na Inglaterra, na Índia, na África do Sul ou nos Estados Unidos, compartilham uma gama de elementos comuns.
Esses acontecimentos distanciam-se de uma ordem racional, sem ignorá-la, para celebrar uma outra ordem implicada na emoção. Os elementos constituintes das raves, como a música eletrônica, os componentes visuais e identitários, as redes tecnológicas de comunicação, o consumo de bebidas e drogas, os espaços a céu aberto, a performance dos DJ e a formação de tribos, em conjunto, atuam na produção de inúmeras táticas que incluem uma incitação ao desejo, sedução, adesão, pertencimento e libertação. Englobam um universo cujo maior objetivo é “festejar” o que há de mais fascinante nos tempos pós-modernos: a movimentação, as novas tecnologias, as cores e os sons vibrantes, a união coletiva de eus solitários em êxtase.
Há uma espécie de obrigatoriedade do prazer intenso e instantâneo, aproveitável durante o acontecimento da festa-espetáculo e só ali. Jovens que podem, com rapidez, mover-se, seduzidos por uma música repetitiva, sem início, meio ou fim. Uma intrincada mistura de sons que aliada ao consumo de entorpecentes, somada às luzes e ao ambiente, permite que mergulhem num verdadeiro estado de delírio coletivo.
Por esse tipo de comportamento, os ravers são descritos como se vivessem fora das fronteiras dos estados de “normalidade”, “saúde” e “moralidade”. No entanto, embora exista uma narrativa sobre as raves posicionando-as como lugar de negação da racionalidade e da produtividade fordista, um enorme aparato estratégico, próprio da racionalidade instrumental vigente nas sociedades contemporâneas, assegura seu funcionamento e demonstra a sanção pelo Estado. Na maioria dos eventos se faz presente um suporte policial e médico (ambulâncias, viaturas policiais, etc.) para garantir a segurança e o bem-estar dos participantes.
Como um espaço destinado à celebração e ao divertimento, as raves estão inseridas em um mundo multiplicado de incertezas e no cotidiano fragmentado em instantes efêmeros. A cada dia, surgem sujeitos que se debruçam sobre as tecnologias, criando e recriando ritmos dentro de uma estética eletrônica e globalizada. O som eletrônico pode ser pensado como a música étnica do milênio, que faz pulsar os sentidos, incitando os ravers a concentrarem-se no tempo presente, esquecendo o passado e negligenciando qualquer futuro. Uma música que está em plena concordância com o trânsito sonoro latente nas grandes metrópoles e que se encontra em conformidade com um mundo cercado pelas tecnologias digitais. Os ravers materializam o que Bauman afirma quando discute aspetos da sociedade contemporânea – “o antigo lema carpe diem adquiriu um sentido totalmente diferente e leva uma nova mensagem: colha seus créditos agora, pensar no amanhã é perda de tempo”. 

Sandro Bortolazzo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (doutorando)
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Edição:

Edição N.º 197, série II
Verão 2012

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