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Pedagogia diferenciada

Não existe um consenso sobre a definição do termo “pedagogia diferenciada”, que pode ser entendido como um instrumento, uma atitude, uma abordagem, uma filosofia, uma estratégia de adaptação do currículo ou um modelo de gestão de sala de aula. O objetivo é considerar a diversidade dos alunos e dar a todos eles a chance de aprender. Diferenciar é também elevar a qualidade do ensino.

Tem se falado muito de inclusão escolar e de como promovê-la. Entretanto, querer promover a inclusão e continuar a ensinar todos como se fossem um só é impossível (Perrenoud). Num contexto em que a diversidade prevalece e os professores tentam se adaptar da melhor forma possível a uma realidade em constante mutação, torna-se pertinente refletir sobre os princípios e as possibilidades ofertadas pela diferenciação pedagógica.
Podemos pensar que a diferenciação pedagógica é um conceito novo. Entretanto, segundo Corno e Snow, a ideia de adaptar o ensino com base nas características individuais do aluno para promover a aprendizagem fez sua primeira aparição no século IV a.C., na China, no Tratado Xue Jie de Zheng.
Também podemos encontrar a ideia de uma diferenciação pedagógica nos escritos do romano Quintiliano, no primeiro século depois de Cristo, em seu livro De Institutione Oratoria. Os escritos de Jean-Baptiste de La Salle, que trabalhava no século XVIII em escolas cristãs na França, também refletiam a preocupação dos educadores da época para diferenciar suas aulas.
No século XX, a democratização da escola veio acompanhada da necessidade de capacitar um maior número de indivíduos e, com isso, a prática de diferenciação, à época, chamada de individualização ou ensino individualizado, começou a declinar. Mesmo assim, durante a década de 1920, nos Estados Unidos e na Europa, alguns modelos de ensino individualizado foram desenvolvidos, como os de Decroly, Freinet, Dottrens, Parkhurst e Washburne. Esses autores compartilham a ideia de que o ensino deve se adaptar às características dos indivíduos que aprendem. Em 1925, o 24º Anuário da Sociedade Nacional para o Estudo da Educação, nos Estados Unidos, foi inteiramente dedicado ao ensino individualizado. Para Anderson, poucos modelos de individualização ou de ensino individualizado foram oferecidos durante o período compreendido entre o final dos anos de 1920 e meados dos anos 1960, sendo preciso esperar até as décadas de 1960 e 1970 para ver o desenvolvimento de outros modelos, sob a influência da psicologia genética e diferencial e da psicologia de valores sociais.
Na verdade, durante muito tempo se acreditou que a aprendizagem e o sucesso escolar eram uma questão de talento e habilidade. Na década de 1970, os resultados da pesquisa de Benjamin Bloom desafiaram essa crença. Seu trabalho mostrou que um professor pode levar a maioria dos seus alunos ao sucesso escolar se ajustar sua forma de ensinar e o meio ambiente do aprendizado educacional. A partir daí, várias ações e reflexões foram apresentadas com o intuito de promover o sucesso educativo de todos, surgindo assim o conceito de diferenciação pedagógica.

Definições

Para Prud’homme, não existe um consenso sobre a definição do termo “pedagogia diferenciada”. Pode ser entendido como um instrumento, uma atitude, uma abordagem, uma filosofia, uma estratégia de adaptação do currículo ou um modelo de gestão da sala de aula.
Para Tomlinson, a diferenciação pedagógica corresponde aos esforços do professor em responder à diversidade dos alunos na sala de aula. A partir do momento em que um professor adapta ou modifica seu ensino para criar a melhor situação de aprendizagem possível, ele está no processo de diferenciação da sua pedagogia. A autora argumenta que o professor deve começar a ensinar a partir do nível em que os alunos estão.
Mais concretamente, em vez da imposição de planos de ensino e aprendizagem preconcebidos, é preciso levar em conta o nível de desempenho do aluno, seus interesses e perfis de aprendizagem. Na verdade, Tomlinson percebe o ensino diferenciado como uma maneira de pensar, uma filosofia que subentende a adoção de certos valores e atitudes. Esta visão é compartilhada por Caron e Prud’homme.
Caron define essa prática pedagógica como uma forma de compreender e explorar as diferenças, assim como de aprender a viver com elas. Prud’homme argumenta que, muito mais do que uma simples abordagem, a pedagogia diferenciada manifesta-se por um elevado grau de abertura para qualquer estratégia de ensino ou de aprendizagem que desenvolva a participação, a motivação e a perseverança dos alunos. Já para Perrenoud, a pedagogia diferenciada é uma abordagem centrada no aprendiz e em seu percurso de aprendizagem.
Implementar uma “educação sob medida” é “um sonho de todos aqueles que acham absurdo ensinar a mesma coisa no mesmo momento, com os mesmos métodos, a alunos muito diferentes”. Assim, adequar o ensino às características de cada aprendiz não é só uma questão de bom senso pedagógico, como também uma questão de respeito à pessoa.
No entanto, isso não significa que o professor deve fornecer um ensino diferente para cada aluno da classe. Ao planejar a prática pedagógica, ele deve levar em consideração cada aluno, para que todos tenham oportunidade de aprender.
No mais, é preciso estar ciente que a pedagogia diferenciada não é ensino individualizado. Segundo Perrenoud, não é possível ou mesmo desejável realizar um atendimento individual e personalizado para cada aluno.
Para Przesmycki e Perrenoud, a finalidade da pedagogia diferenciada é a luta contra o fracasso escolar. Eles argumentam que a prática educativa tem como objetivo evitar que a escola seja transformada em um sistema de exclusões sucessivas, e isso em função da origem dos alunos. Em outras palavras, destina-se a fazer reverter a lógica da reprodução das desigualdades sociais.
Apesar das diferenças de opinião a respeito de uma definição de pedagogia diferenciada, é possível identificar que o objetivo comum seja o sucesso acadêmico (BENARD et al.). Na verdade, acima de tudo, esse tipo de pedagogia busca fazer com que a aprendizagem seja acessível e bem sucedida para todos. Gillig acrescenta que uma boa pedagogia diferenciada deve ser capaz de levar ainda mais longe tanto aqueles que apresentam Suppa uma dificuldade de superá-la como aqueles que já estão na via do sucesso escolar.

Por que diferenciar?

Tomlinson (2004) identifica três razões para se aderir a uma pedagogia diferenciada em sala de aula:

– tornar a aprendizagem acessível a todos os alunos, independentemente das suas características cognitivas e pessoais;

– motivar os alunos para aprender, dando-lhes um papel ativo na construção de competências;

– tornar a aprendizagem eficaz.

A autora identifica três princípios inspirados nas pesquisas de Howard Gardner, Eric Jensen e Lev Semenovich Vygotsky que nos levam a aderir a uma pedagogia diferenciada em sala de aula: a inteligência varia; o cérebro tem sede de significação e aprendemos melhor quando os desafios são realistas. Esses princípios nos dizem que os professores devem estar sensíveis aos diversos tipos de inteligência, devem oferecer aos alunos inúmeras ocasiões de criar vínculos entre o que é novo e o que já é conhecido e, assim, ajustar as atividades ao nível de aprendizagem de cada aluno. Villepontoux considera que a diferenciação pedagógica é uma obrigação moral e profissional dos professores, que devem aceitar as diferenças dos alunos. É preciso ter em mente que a pedagogia diferenciada é organizada a partir da heterogeneidade dos alunos, considerando as suas diferenças, tanto no desempenho cognitivo como cultural.

Para quem diferenciar?

À primeira vista, poderíamos pensar que a diferenciação é para os alunos com deficiência, pois muitos deles, devido às dificuldades decorrentes de suas condições especiais, exigem a utilização de adaptações e/ou modificações pedagógicas. Entretanto, a crença de que somente as pessoas com deficiência necessitam de uma diferenciação pedagógica contribui para mantê-los em uma categoria à parte, transmitindo assim a ideia de que necessitam de um aprendizado especial.
Em contrapartida, priva os demais alunos, ditos “normais”, de se beneficiarem de um ensino diferenciado. As características de um aluno são moduladas por uma série de fatores individuais (características cognitivas, o estilo de aprendizagem, o desenvolvimento emocional e social etc.) e ambientais; e não simplesmente porque o aluno tem uma deficiência ou não. Nesta perspectiva, é evidente que o ensino diferenciado deve ser implementado com todos os alunos que necessitam.

Quando diferenciar?

Como o objetivo principal da diferenciação pedagógica é apoiar o progresso do aluno, é evidente que o ensino diferenciado pode ser feito a qualquer momento. O professor pode, então, decidir em que período haverá diferenciação, ou simplesmente diferenciar todo dia, usando uma variedade de estratégias, abordagens e métodos de ensino.
De acordo com Tomlinson, não existe uma fórmula para a prática da pedagogia diferenciada, pois a diferenciação é simplesmente responder às necessidades dos alunos. No entanto, a autora apresenta quatro aspectos a diferenciar em sala de aula: conteúdo, processo, produção e ambiente de aprendizagem. Os conteúdos representam o que os alunos deveriam aprender e compreender, bem como os materiais e os mecanismos necessários para obter estes resultados. O processo são todas as atividades que ajudam os alunos a desenvolver competências; as produções são o meio pelo qual os alunos podem demonstrar e reforçar a sua aprendizagem; o ambiente de aprendizagem é a forma como os alunos aprendem e como eles se sentem.

Aspectos A Diferenciar


Exemplos


Conteúdo


– adaptar o nível de complexidade de um tema em função do nível dos alunos

– considerar o estilo de aprendizagem dos alunos (visual, auditivo, sinestésico)

– repetir a informação, explicar em outras palavras, etc.

– explicar o tema em pequenos grupos

– trabalhar em conjunto com o professor de sala de recursos, para que este reforce com os alunos os conceitos já trabalhados

Processo

– utilizar atividades que trabalham o mesmo tema para todos os alunos e adaptar o nível de dificuldade

– disponibilizar material concreto para os alunos que necessitam

– adaptar o tempo das atividades (existem alunos que precisam de mais tempo para terminar uma atividade)

– adaptar a atividade ao tempo de concentração do aluno

este reforce com os alunos os conceitos já trabalhados

 

Produções

– diversificar as formas de produções (produção de texto, apresentação oral, desenho, pintura, etc.)

– permitir aos alunos trabalharem sozinhos ou em grupo

– priorizar a avaliação formativa

nar uma atividade)

 – adaptar a atividade ao tempo de concentração do aluno

este reforce com os alunos os conceitos já trabalhados

 

Ambiente de

aprendizagem


– mudar a disposição da sala

– utilizar as instalações fora da sala de aula, como a biblioteca, por exemplo

– estabelecer as regras da sala de aula

– garantir a participação de todos os alunos (respeitando os limites de cada um) e evitar dirigir a atenção somente para os mesmos alunos presença pedagógica

dy> este reforce com os alunos os conceitos já trabalhados

 

Como diferenciar?

A ideia de utilizar uma pedagogia diferenciada começa quando o professor constata a dificuldade de um aluno ou um grupo de alunos de seguir o currículo proposto. Para implementar o ensino diferenciado, sugerimos a adoção das cinco etapas propostas por Guay, Germain et Legault (2006):

– Definição da situação atual ou do problema: consiste no processo de avaliação do aluno ou do grupo de alunos, dos métodos e estratégias utilizadas em classe e do ambiente escolar.

– Definição da situação desejada: uma vez que a situação foi definida, é importante delimitar a situação desejada – o que o aluno ou os alunos devem aprender e o que deve ser modificado ou adaptado.

– Planificação da ação: momento em que o professor concebe as modificações e/ou adaptações a serem efetuadas.

– Ação: aplicação das ações planificadas.

– Avaliação da ação: avaliar o impacto da ação implementada. Se a avaliação mostra que as ações implementadas não surtiram os efeitos desejados, será preciso realizar um novo

Referências/Sugestões de leitura

  • ANDERSON, L. W. Individualized Instruction. In: The International Encyclopedia of Education. Husen, T. et T. N. Postlethwaite. Toronto: Pergamon, 1994
  • BÉNARD, C. et al. La différenciation pédagogique: théories et applications. Montréal: Ministère de l’Éducation des Loisirs et des Sports du Québec, 2005
  • BLOOM, B.S. Caractéristiques individuelles et apprentissages scolaires. Paris: Nathan, 1979
  • CARON, J. Apprivoiser les différences: guide sur la différenciation des apprentissages et la gestion des cycles. Montréal: Chenelière, 2003
  • CORNO, L. e R. E. SNOW. Adapting Teaching to Individual Differences Among Learners. In: Handbook of Research on Teaching, M. C. Wittrock (Ed). New York : Macmillan, 1986
  • GILLIG, J. M. Remédiation, soutien et approfondissement à l’école: théorie, pratique et différenciation pédagogique. Paris: Hachette, 2003
  • GUAY, M. H. La différenciation pédagogique: réflexions et actions d’équipes-cycles du préscolaire, du primaire et du secondaire qui l’ont expérimentée. Longueuil: Coopérative de développement régional de la Montérégie, 2007
  • GUAY, M. H., GERMAIN, C. e LEGAULT, G. Pour tenir compte de leurs différences. Vie pédagogique, n. 141, p. 1-4, 2006
  • PERRENOUD, P. Pedagogia Diferenciada: das intenções à ação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000
  • PRUD’HOMME, L. La construction d’un îlot de rationalité autour du concept de différenciation pédagogique. Journal of Canadian Association for Curriculum Studies, v.3, n. 1, p. 1-30, 2005
  • PRZESMYCKI, H. La pédagogie différenciée. Paris : Hachette, 2004
  • TOMLINSON, C. A. La classe différenciée. Montréal : Chenelière, 2004
  • VILLEPONTOUX, L. Différencier la pédagogie: Pourquoi? Comment? Jusqu’où?, 1998

 

Daniela Elaine Jungles

A publicação deste artigo é feita ao abrigo do protocolo de colaboração e permuta estabelecido entre a PÁGINA e a revista brasileira Presença Pedagógica


  
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Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

Autoria:

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