Página  >  Edições  >  Edição N.º 193, série II  >  Educadores pela Paz 25 anos depois, a chama está viva

Educadores pela Paz 25 anos depois, a chama está viva

Allariz foi o local escolhido para as bodas de prata do Encontro Galego-Português de Educadores/as pela Paz. organizado pela nova escola Galega, Associação Galego-Portuguesa de educação pela Paz (AGAPPAZ), Faculdade de Ciencias da educación da Uni versidade de vigo (ourense) e Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (pólo de Chaves), o XXV encontro decorreu nos dias 29 e 30 de Abril e 1 de Maio. o próximo realizar-se-á em Portugal, em 2012.

Vivemos um tempo de crise financeira, económica, política e social profunda. o desencanto de um mundo em que tudo vale e todos somos transformados em números, sem identidades e sem vizinhanças, desprezando os princípios éticos e indiferentes às desigualdades socioeconómicas e às exclusões étnico-culturais, faz parte do nosso quotidiano.
Apesar de tudo, estes encontros continuam vivos. A esperança não se perdeu e continuamos envolvidos por memórias vivas e vividas em torno dos ideais da educação para a paz, carregando as pilhas para sobreviver aos medos, às crises e desesperanças. Acreditamos que a pomba da paz chegará a um porto de abrigo – comunidades de aprendizagem – onde tudo começa a ter sentido. o tema escolhido (Estratégias e Recursos para trabalhar a Educação para a Paz) pretendeu contribuir para a valentia cívica de viver com o conflito, elegendo a cultura da não-violência para “acalmar” os mercados e investir na requalificação da democracia e na construção solidária do conhecimento através das comunidades de aprendizagem.
A sessão de abertura contou com Maria Lameiras, vice-reitora da Universidade de vigo, que salientou a importância de “manter acesa a chama do trabalho pela paz, convertendo a sociedade num espaço de convivência pacífica”. Um desejo partilhado por Cristina Cid, vice-presidente da Câmara de Allariz, e Isabel Pérez, vereadora da cultura de ourense, que referiram que “estas iniciativas são imprescindíveis para que educadores, professores e comunidades assumam as suas responsabilidades na formação de pessoas livres e solidárias”. Xosé Manuel Cid, Carmen Simón e Américo Peres, responsáveis pela organização do encontro, sublinharam que “todos somos poucos para trabalhar nos caminhos da construção da paz”.

Actividades múltiplas

Embora exista uma pedagogia da convivência já enraizada, os jogos cooperativos – um legado de Xesus Jares, desde 1986, quando os 36 docentes se reuniram pela primeira vez – pretendem criar um ambiente de proximidade humana e continuam a ser o mote de boas vindas aos participantes, fazendo parte da cultura identitária do encontro. estavam, assim, criadas as condições para suster a dor e a tristeza do falecimento recente de um grande obreiro destes encontros (Manuel Blanco) e lhe prestar uma justa homenagem, lembrando as suas qualidades na promoção da cultura da paz e da convivência nas escolas com a projecção de um vídeo sobre a sua actividade no Instituto de Leiras Pulpeiro (Lugo).
Ainda no primeiro dia, rosa valls Carol (Universidade de Barcelona) convidou os participantes à recuperação do papel da aprendizagem dialógica e da participação na transformação dos centros educativos como contributo para a regulação sociocomunitária da educação. Sublinhou, também, a sua participação como investigadora no programa Includ-ed, envolvendo 15 países e 96 centros educativos da União europeia, cuja finalidade é analisar e avaliar as reformas educativas e o seu impacto nos momentos de crise social. As suas palavras rompem com algumas ideias pré-concebidas sobre os resultados escolares e a monopolização do conhecimento, permitindo um amplo debate em torno da educação para todos, contributo relevante para a inclusão e coesão social.

O segundo dia iniciou-se com espaços e tempos de reflexividade e partilha de saberes, experiências e emoções à volta de uma mesa-redonda em que Ana Moreira e Pedro Xavier (escola da Ponte, vila das Aves), Carmen Simón (Instituto Lucus Augusti, Lugo) e rosa valls abordaram Estratexias para una Convivência Democrática. efectivamente, convém salvaguardar uma visão estratégica que promova a interiorização da cultura democrática, para que os saberes e poderes – os nossos modos de vida – sejam alargados numa dinâmica de liberdade, participação, respeito, justiça e solidariedade. neste sentido, foram criados quatro grupos de trabalho: recursos bibliográficos; recursos numa perspectiva de género; estratégias colaborativas; recursos para a mediação. o tempo foi pouco para aprofundar e debater os antecedentes e os processos de transformação e consolidação dos modelos dialógicos de convivência.
Todavia, o entusiasmo e a alegria eram visíveis nos rostos das pessoas dos diferentes grupos, antecipando a animação do passo seguinte – a largada da pomba e a “foto da paz”. Apesar da chuva, não faltaram as gaitas-de-foles, os tambores, as violas e o acordeão, anunciando que o amanhã será mais risonho e cheio de esperança se os valores éticos e da convivência pacífica – cultura da paz – forem interiorizados e vividos no quotidiano.
Durante a tarde, além do funcionamento de diversas “oficinas”, houve lugar a uma visita guiada ao património natural, histórico e cultural de Allariz – cidade-património onde as pessoas e as coisas da vida sustentam a pedagogia da hospitalidade; onde o contexto nos faz sentir seguros, confortáveis, participativos e felizes; onde, parafraseando Zygmunt Bauman, se sente “tener una comunidade”.
Um dos momentos mais altos do encontro ocorreria com a experiência indizível e indescritível de um concerto didáctico de órgão, protagonizado por Marisol Mendive (Conservatório de ourense). E a culminar um dia pleno de emoções, ócio criativo, liberdade e paz, a noite fez-se com uma ceia de aromas e sabores galegos, carinhosamente oferecida pelo Con celho de Allariz, e com a Festa da Paz, onde, após tantos anos de convivência, as canções e as danças já são mestiças.
O 1º de Maio foi repleto de saudações aos trabalhadores e à revolução dos Cravos, ficando a sensação de que há dias em que o relógio anda depressa demais. Porém, ainda houve tempo para conhecer experiências e projectos de educação para a paz que galegos e portugueses desenvolvem em distintos contextos.

Textos e prospectiva

Testemunhando a semente lançada à terra por Xesus Jares, Manolo Blanco, e tantos outros que assumiram as suas responsabilidades na construção da paz, vários livros foram apresentados, tendo como traço comum a cultura da paz.
Agora, a memória da “educação para a paz no ensino das Ciências naturais vai ficar mais viva” com a obra de Maria Emanuel Melo de Almeida, que teve o privilégio de ser orientada por Jares na sua tese de doutoramento – foi com muita emoção e com a voz embargada que apresentámos esta investigação, que foi publicada este ano pelas fundações Calouste Gulbenkian e da Ciência e Tecnologia.
“Música para Conviver”, de Javier Álvarez (director do coral da Universidade de vigo), cruza a pedagogia musical com a organização da vida na aula em clima de convivência e trabalho de equipa.
Maria Victoria Carrera (Universidade de vigo) apresentou os resultados da tese de doutoramento, em que problematiza a prevenção dos maus tratos entre iguais através da pedagogia crítica e do combate aos estereótipos e preconceitos de género. Patrícia Duval referiu a importância da cultura da não-violência no jardim-de-infância.

Nota: A organização do encontro agradece publicamente às instituições que colaboraram e apoiaram a realização do evento: câmaras de Allariz e Xunqueira de Ambía, pelouros da Cultura e da educação dos concelhos de Ourense e Lugo, Movimento dos educadores pela Paz de Portugal (MeP), vice-reitoria de Investigação da Universidade de vigo, Fundação vicente risco e A Página da Educação.

Américo Nunes Peres


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo