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Mudança de regime finanças, propinas e receios no Ensino Superior

Será que os sistemas europeus vão manter as suas propinas reduzidas?
Ou as universidades começarão a agir como algumas já fazem e a estabelecer propinas específicas para os "estrangeiros"? Este último cenário é o mais provável.

Recentemente, tenho falado bastante na imprensa sobre o estado do Ensino Superior no Reino Unido. Não, não tenho falado sobre o casamento real, que iluminou, momentaneamente, pelo menos para os monárquicos, um ano que tem sido muito cinzento e com tendência a piorar. Tenho-me pronunciado sobre o Ensino Superior e as batalhas sobre o seu financiamento, sobre as propinas e os receios crescentes, em toda a Europa, de que estas dramáticas movimentações políticas sejam o equivalente a uma gripe das aves: altamente contagiosas e profundamente debilitantes.
Uma das minhas intervenções foi com uma curiosa repórter da France24, a propósito do escândalo que envolveu a London School of Econimcs (LSE), devido a alegadas doações recebidas do filho de Kaddhafi, Saif al-Islam Gaddafi, antigo estudante naquela instituição. A certa altura, a jornalista confessou estar surpreendida com a extensão da mercadorização do Ensino Superior. Comentei que, da minha experiência, não deveríamos ficar chocados com o convite da LSE aos seus ex-estudantes, incitando-os a fazerem uma contribuição financeira para a universidade. Há já algum tempo que grande parte das universidades, tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos da América, tem sido muito activa na angariação de doações dos antigos estudantes como forma de compensar a diminuição das contribuições do Estado ao Ensino Superior. No entanto, neste ponto da conversa com a repórter francesa, não me referia àquilo que pode ser designado como uma dramática ‘mudança de regime’ no Ensino Superior britânico; à lamentável escalada de 200-300% nas propinas para alunos de licenciatura a partir do ano lectivo de 2011/12; à eliminação do incentivo, dado pelo Higher Education Funding Council for England (HEFCE), ao ensino ao nível de licenciatura em artes, ciências sociais e humanidades e ao corte de cerca de um bilião de libras no orçamento para o Ensino Superior, perfazendo qualquer coisa como 20%. Não admira que haja receio, e receio bem fundamentado. Todo o pessoal das universidades está a lutar pelos seus empregos, com uns a ficarem sem eles e outros a verem os seus salários muito reduzidos. As pensões estão sob pressão e algumas universidades poderão vir a descobrir que a sua sobrevivência a longo prazo está em perigo.
Essa conversa veio depois, na Eslovénia, quando fui entrevistada por um repórter ansioso por saber mais sobre “a situação britânica”. Perguntou-me como é que eu do Governo. Contudo, é difícil não concluir que esta “mudança de regime”, posta em prática tão rápida e violentamente como qualquer uma das estratégias de Kaddhafi, tem todos os ingredientes para uma guerra de classes.
Talvez esteja a exagerar na analogia, e posso vir a ser recordada que, de momento, os estudantes podem pedir à Student Loans Company fundos suficientes para cobrir a nova propina de licenciatura, os quais só terão de reembolsar quando auferirem um salário superior a £21,000. Isto é verdade.
No entanto, numa outra leitura do que é, na opinião de qualquer um, um cocktail pouco saudável de agressividade e inépcia, os cálculos governamentais para as propinas passaram do limite aceitável. O algoritmo do Governo partiu do princípio de que havia igual número de estudantes do sexo masculino e feminino; que ambos ganhariam salários semelhantes ao sair da universidade e que é provável que no futuro o mercado de trabalho profissional esteja em expansão. Errado. Errado. Errado. Há mais mulheres diplomadas; estas ganham menos quando saem da universidade, não estão no mercado do trabalho nem têm igualmente empregos a tempo inteiro; e toda a evidência aponta para uma acentuada tendência de diminuição dos salários na proporção em que o mercado é inundado de estudantes diplo achava que o actual panorama no Reino Unido iria afectar a Europa. Abrirá um precedente para outras universidades europeias que enfrentam cortes similares no sector público como resultado da crise financeira? E o que será dos estudantes mais pobres? E irão todas as universidades cobrar este tipo de propinas, ou será que surgirá uma escala de propinas em que só as universidades de topo cobrarão valores muito elevados?
Depois dos acontecimentos das últimas semanas no Reino Unido, podemos agora constatar a ingenuidade dos cálculos do Governo quanto à forma de criar um mercado de Ensino Superior e quanto à crença de que um conjunto de diferentes preços equivaleria a diferentes sectores da população. Isto não se verificou! Pelo contrário, a maioria das universidades estabeleceu os seus preços em cerca de £9,000 para que não fossem estigmatizadas por oferecer o que soaria a uma alternativa caseira e barata.
Isto levou o ministro do Ensino Superior a reagir, já que tal não era bem o que o governo entendia por criação de um Ensino Superior mais competitivo, isto na mesma semana em que anunciou que as universidades poderão ser autorizadas a oferecer vagas a quem pode pagar para além do número de vagas atribuído. Tal facto, obviamente, foi rapidamente desmentido pelo próprio ministro no mesmo dia, assegurando que a mobilidade social está realmente no topo, ao centro, à direita e à esquerda da agenda mados e os trabalhos qualificados estão a desaparecer.
Qual o significado disto para o Ensino Superior britânico, em particular, e para o europeu, em geral? Várias coisas, digo eu.
Uma delas é que o actual modelo de apoio financeiro aos estudantes, garantido pelo Governo, é susceptível de ir à falência a longo prazo, pelo que será necessário rever e retirar a fiança dessa dívida. Em vez disso, os empréstimos aos estudantes serão privatizados.
Segundo: provavelmente num prazo mais curto, o Governo irá estabelecer um limite máximo para o número de estudantes no Ensino Superior, o que desafiará a promessa governamental de que o Ensino Superior é um meio de mobilidade social.
Terceiro: dado que o Ensino Superior ainda é considerado um bem posicional fulcral, os estudantes irão considerar a possibilidade de concorrerem para outros sistemas de educação europeus. E é aqui que a situação britânica afecta a Europa – será que esses sistemas vão manter as suas propinas reduzidas, ou será que as universidades europeias começarão a agir como algumas na Europa continental já fazem e estabelecer propinas específicas para os “estrangeiros”?
Este último cenário é o mais provável. Tal como aconteceu com a gripe aviária, a mudança de regime tem efeitos mais imediatos e mais distantes.

Susan L. Robertson
University of Bristol (Inglaterra)


  
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Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

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