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Sobre crises e conversas

Crise nas salas de aulas, crise na gestão de escolas…
Talvez seja porque não se sabe onde nos vai levar uma conversa que os gestores atuais não queiram conversar com os “praticantes” das escolas. No entanto, mais que nunca, conversar é preciso!

Para onde quer que nos viremos “a crise” está no ar: crise nas salas de aula e nas escolas, crise na gestão de escolas, crise de governos, crises discutidas em inúmeros colóquios... E para elas soluções miraculosas e técnicas – as duas andam agora de mãos dadas, do mesmo modo que, nas décadas de 60 e 70, a Economia andava de mãos dadas com nossos governos de ditadura, na América Latina, afirmando que iam resolver tudo. Dessa época, de que não temos saudades, ficou célebre uma “fórmula” – de triste memória – dita a jornalistas pelo então ministro da Economia, Delfim Netto, explicando porque havia a enorme concentração de rendas a que estava levando o Brasil: “É preciso primeiro fazer crescer o bolo para depois dividi-lo”.
Hoje, os técnicos em gestão convocados para gerir a Educação em diversos sistemas brasileiros (estaduais e municipais) – já que não têm dados para expor como os economistas tinham em suas equações mirabolantes – tiram das cartolas soluções que não se aplicam em nenhum
radionacional.com.ar
lugar. Nesse processo, nenhum deles lembra de se sentar para “conversar” com os professores das redes públicas. Mas, não tenham dúvidas, para problemas sociais e educacionais, não há nem milagres nem técnicas de gestão. É preciso sentar em torno de uma mesa e trançar palavras, criando soluções acordadas.
Isto nos tem sido mostrado por sucessivos escritores e cientistas.
Jorge Luiz Borges (na página anterior), o grande escritor argentino, por exemplo, nos lembra que: Uns quinhentos anos antes da era cristã aconteceu na Magna Grécia a melhor coisa registrada na história universal: a descoberta do diálogo. A fé, a certeza, os dogmas, os tabus, as tiranias, as guerras e as glórias assediavam o orbe; alguns gregos contraíram, nunca saberemos como, o singular costume de conversar.
Duvidaram, persuadiram, discordaram, mudaram de opinião, adiaram. Sem esses poucos gregos conversadores, a cultural ocidental é inconcebível.
Em um país vizinho da Argentina [Chile], o biólogo Humberto Maturana (em cima) nos diz mais, lembrando o estado de ‘conversadores’ dos seres humanos:
Penso que, ainda que o racional nos distingade outros animais, o humano se
constitui ao surgir a linguagem na linhagem hominídeo a que pertencemos, na conservação de um modo particular de viver o entrelaçamento do emocional e do racional que aparece expresso em nossa habilidade de resolver nossas diferenças emocionais e racionais conversando.
Por isso considero central para a compreensão do humano, tanto na saúde como no sofrimento psíquico ou somático, entender a participação da linguagem e das emoções no que, na vida cotidiana, conotamos com a palavra ‘conversar’ (...) Como animais linguajantes, existimos na linguagem, mas como seres humanos existimos (...) no anelatina/Flickrel Mercurio de valparaíso
fluir de nossas conversações, e todas as atividades acontecem como diferentes espécies de conversações.
E, por fim, trazemos Jorge Larrosa (em baixo), de Barcelona, quando nos lembra que:
Nunca se sabe aonde uma conversa pode levar... Uma conversa não é algo que se faça, mas algo no que se entra... E, ao entrar nela, pode-se ir aonde não havia sido previsto... E essa é a maravilha da conversa... Que, nela, pode-se chegar a dizer o que não queria dizer, o que não sabia dizer, o que não podia dizer...
E, mais ainda, o valor de uma conversa não está no fato de que ao final se chegue ou não a um acordo... Pelo contrário, uma conversa está cheia de diferenças e a arte da conversa consiste em sustentar a tensão entre as diferenças.
Talvez seja porque não se sabe onde nos vai levar uma conversa que os gestores atuais não queiram conversar com os “praticantes” (Certeau) das escolas em nossos países. Onde se vai chegar se conversamos?

No entanto, mais que nunca, conversar é preciso! – com a licença do poeta Pessoa.
Essa – entre outras – foi a lição que nos deu a professora Amanda Gurgel, em uma audiência pública com a secretária de Educação do Rio Grande do Norte, no Nordeste brasileiro, realizada na Assembléia Legislativa desse Estado e que convidamos todos a ver no site da PÁGINA (www.apagina.pt).

Cumprindo o Estatuto Editorial, a Página respeita a grafia original do texto

Nilda Alves


  
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Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

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