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O que não funciona

Seja em tempo eleitoral, seja fora dele, muitas propostas arrojadas são feitas para reformar a educação portuguesa. Se uns propõem mais exames nacionais, outros propõem exactamente o contrário: o fim do exame nacional do Ensino Secundário e o fim das restrições de acesso ao Ensino Superior.
Quem terá razão? Em que se baseiam para fazer essas propostas? Muitas das vezes, as propostas baseiam-se mais em conceitos educacionais de raiz marcadamente ideológica. Mas outras vezes são citados exemplos estrangeiros: “assim se faz na Finlândia” é a afirmação mais frequente entre nós; mas também se diz que nos países asiáticos é que “os alunos estudam afincadamente” e que por isso são o exemplo a seguir. Os mais cépticos contrapõem que o que se passa noutros países tem muito a ver com a realidade local e não se pode transpor para o nosso país. E não deixam de ter alguma razão, pois a organização social, cultural e religiosa de cada país influencia de forma decisiva a organização escolar. Por exemplo, os países asiáticos mais avançados são de base confucionista.
Então o que se passa noutros países não pode servir de exemplo para o nosso?
Pode, desde que se tente ter uma visão global onde as causas e consequências sejam devidamente identificadas. E uma das coisas que se pode observar com mais frequência é não o que funciona bem, mas o que não funciona nada bem e se tenta mudar!
Vou referir exemplos de dois países diferentes.
A Coreia do Sul está invariavelmente no top dos estudos comparativos internacionais e é frequentemente apontada, juntamente com o Japão, como um exemplo a seguir, até por causa do seu forte desenvolvimento económico (Sam sung, LG, Kia, Hyundai, etc.). Mas Byong Man Ahn, ex-ministro da Educação, Ciência e Tecnologia da Coreia do Sul, deu recentemente uma conferência onde contesta a ideia de o sistema educativo coreano ser um bom exemplo. Pelo contrário, os pais criticam-no fortemente e os governos têm tentado mudar um sistema demasiado competitivo, onde a entrada na universidade se começa a preparar no Ensino Primário, com aulas suplementares em escolas “paralelas” (os célebres hagwons). Em particular, chama a atenção para as consequências negativas do “excesso de pressão” dos pais sobre os filhos para obterem boas classificações. Alerta, ainda, para as consequências negativas do excesso de memorização, defendendo que também deve haver “prazer e expressão criativa”. Na Coreia do Sul, os responsáveis estão a tentar modificar os exames de acesso ao Ensino Superior, de modo a avaliar outros tipos de capacidades.
Os Estados Unidos da América estão numa posição muito modesta nos estudos comparativos internacionais, ficando mesmo atrás de Portugal nalguns itens. Bill Schmidt, director do Instituto de Investigação sobre Educação em Matemática e Ciências, da Universidade Estadual do Michigan, tem algumas explicações para o facto de os EUA estarem tão atrasados relativamente a outros países.
Uma delas tem a ver com a regionalização do currículo, que é timbre do sistema americano. Os programas são definidos a nível local e estadual, não havendo nenhum currículo nacional. A maior associação americana de professores de Matemática (NCTM) propôs orientações comuns a que chamou “normas”, mas a diversidade é que é a norma. Bill Schmidt entende que a desigualdade gera oportunidades diferentes para as crianças e que existe a tendência de exigir muito menos nos EUA do que nos outros países, em particular nos 6º, 7º e 8º anos, com um currículo matemático pouco exigente. Cursos avançados de Matemática (os chamados cursos AP) são oferecidos apenas nalgumas escolas secundárias e, assim, os alunos não as podem sequer escolher, ficando limitados nos seus estudos. Bill Schmidt entende que é fundamental a existência de um currículo nacional.
Estes são apenas dois breves exemplos do que se pode aprender da experiência internacional. Infelizmente, muitos relatórios passam despercebidos em Portugal, nomeadamente os do PISA/OCDE. Em Abril saiu um relatório da OCDE onde se tenta responder à pergunta: “Será que o investimento em aulas pós escolares é rentável?”. Leia-se o relatório, que é público e gratuito e se pode descarregar da página do PISA na OCDE.

Jaime Carvalho e Silva


  
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Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

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