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Estatísticas e português: pisar na leitura?

E agora o relatório do PISA… Que avalia internacionalmente, entre outras coisas, a capacidade dos alunos de 15 anos em leitura. Comparativamente ao último exercício (de 2006, referente a 2002-2005), Portugal passou do fundo da tabela para muito próximo da média europeia. Deu um salto espectacular, segundo a opinião dos próprios analistas.
Se descontarmos a trupe usual dos que precisam de boas notícias para elevar o ego, podemos falar da realidade. E, ressalvados os exageros daqueles que têm, no fundo, saudades da escola dos velhos tempos, em que havia palmatória ou, pelo menos, régua e estrado para marcar a autoridade do professor, a realidade é, mais ou menos consensualmente, contrária aos resultados do PISA.
Em Portugal, onde um livro é geralmente apenas marca de estatuto social, onde a discussão se faz tão-só sobre futebol, onde as audições e audiências são as de telenovela, onde a leitura alterna entre a «Bola» e a «Maria», onde o mais alto magistrado da nação não conhece a História e a Literatura portuguesas, ao ponto de não se dignar interromper as férias para ir ao funeral do único Prémio Nobel da Literatura português, é estranho que, de repente, tenha havido uma melhoria “impressionante” na qualidade de desempenho dos jovens na leitura. Não há exemplos vindos de cima, nem dos responsáveis políticos, nem das famílias, nem das vedetas. Não há uma prática de leitura crítica que se veja. Nas escolas, nos conteúdos programáticos de Português e nos manuais, o nível mantém-se há vários anos.

E agora dizem-nos que em 3 anos (2006-2009) Portugal melhorou drasticamente. Como é possível?

Este resultado é ainda mais estranho conhecendo a generalidade da opinião dos professores. É que os principais interessados em ver o seu trabalho reconhecido não têm, de uma forma geral, uma opinião positiva sobre o que se passa hoje em dia nas escolas. E bem gostariam, porque, se tivessem, teriam muito melhores hipóteses de ver a sua imagem e o seu estatuto profissional melhorados.
Quem não é o professor que gostaria de dizer: “sim senhor, tenho uns belos alunos, umas belas condições e resultados positivos da minha acção; os meus alunos saem das minhas mãos muito melhor formados, com muito melhores índices de leitura, com muito mais consciência do mundo à sua volta”?
E quem é o professor de Português que não gostaria de pensar: “Vivo numa sociedade que preza o desenvolvimento educativo e cultural, onde se valoriza e aprecia a qualidade na discussão e interpretação do que se ouve e lê”? Muitos, talvez todos. Mas quantos o podem dizer ou pensar?...

“As famílias têm vindo cada vez mais a acompanhar de perto a vida escolar dos filhos, netos ou vizinhos, assinalou a ministra da Educação. Ah sim? Tudo indica a permanência da mesma situação geral de ausência que tínhamos há 4/5 anos. “A avaliação dos professores e o controlo sério da qualidade do ensino explica em boa parte esta melhoria dos resultados”, diz o responsável máximo do PISA. Ah sim? A avaliação que esteve em vigor até 2009? Qual era essa? E que “controlo sério da qualidade do ensino” se vislumbrou nos últimos anos? O único controlo que há, as únicas famílias que aparecem, os únicos resultados de leitura, são estatísticas, como estatístico é o estudo do PISA.

Pode ser que a Europa esteja a decair na qualidade das competências (entre as quais a de leitura) que a Escola promove. Talvez isso possa explicar, em parte, a súbita melhoria de Portugal. Mas há outros factores mais importantes, que as declarações do responsável do PISA deixam entender: a avaliação e o controlo a que ele se refere são demasiado parecidas com um efeito de propaganda do Governo, não constituem uma verificação da situação in loco. Andreas Schleicher chega a dizer que a melhoria de resultados “pode ser explicada em primeiro lugar pelas políticas seguidas nos últimos anos, o que soa mais a uma afirmação de interesse do que à ciência estatística. E, se assim é, já nem vale a pena perguntar se os autores do PISA conhecem a língua portuguesa o bastante para avaliar níveis de leitura…

Hélio J. S. Alves


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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