Página  >  Edições  >  Edição N.º 190, série II  >  Os elementos escassos

Os elementos escassos

Muitas das promessas técnicas que ouvimos como cantos de sereia dependem de uma disponibilidade de matérias-primas que pode não se confirmar. De facto, as reservas geológicas mundiais são escassas face ao nível de consumo de alguns metais em sectores ditos de alta tecnologia ou de importância estratégica.

A base material da revolução industrial caracterizou-se essencialmente pelo carvão (fonte de energia) e pelo ferro (material das ferramentas e equipamentos) que então vieram adicionar-se à lenha e à madeira, ao ouro e ao sal, e a numerosas substâncias de extracção biológica. Outras substâncias minerais, como o mercúrio e o enxofre, por exemplo, podendo até ser insubstituíveis, tinham importância económica menor.
A base material foi-se alargando com a inovação de técnicas de fabrico e a descoberta de novas substâncias, sobretudo minerais, de modo que o leque de substâncias e materiais que ganharam importância industrial multiplicou-se ao longo do século XIX. O cobre, o zinco, o chumbo, o estanho – que já eram conhecidos – tornaram-se insubstituíveis em certas novas ou alargadas velhas aplicações e produtos de circulação corrente.
Ao longo da segunda metade do século XX entraram em cena muitos mais elementos, praticamente toda a Tabela Periódica, com aplicações primeiro na indústria química (por exemplo, como catalisadores) e na dos materiais especiais (incorporando variedades de aço), e depois na dos semicondutores, e em todas as que baseiam as tecnologias electrónica, optoelectrónica, telecomunicações, aeroespaciais, etc.
Nas décadas recentes, a procura de materiais com propriedades especiais para aplicações nestes vários domínios técnicos conduziu à inclusão da maioria dos 92 elementos da Tabela Periódica em produtos variadíssimos, e muitos deles integrados em bens de consumo massivo. Uma vintena de metais e metalóides parece terem já passado ou estarem próximo de atingir a sua produção máxima.
Nos anos 2000-2008 foi aparente, pela primeira vez a nível global, a escassez persistente de matérias-primas minerais. Uma análise baseada nos ritmos de crescimento do volume de produção e do preço verificados no século XX e no período de pré-recessão 2000-2008 identifica 27 produtos minerais como muito ou extremamente escassos nesse período [Chris Clugston, Increasing global nonrenewable natural resource scarcity – An analysis, «Energy Bulletin» 04.06.2010]. E, prolongada ao período até 2030, contando também com as reservas geológicas, aponta com probabilidade alta ou quase certa a insuficiência de produção face à procura para 23 produtos. O massivo incremento de investimento em prospecção/exploração feito no mesmo período 2000-2008 revelou-se um esforço frustrado nos resultados das descobertas alcançadas – as grandes jazidas minerais, em tonelagem e em qualidade (teor ou concentração) de minério, são progressivamente mais raras ou já não se encontram de todo [Ross Beaty, The declining discovery trend: People, science or scarcity?, «SEG Newsletter» nº 81, Abril/2010].
A União Europeia deu o alarme. De 41 metais examinados, a Comissão Europeia identificou 14 como estando em défice de oferta: antimónio, berílio, cobalto, fluorite, gálio, germânio, grafite, índio, magnésio, nióbio, tântalo, tungsténio e ainda o grupo da platina (seis metais) e as terras raras (16 metais). Enfatizando, ainda, que um factor crucial é a concentração da produção em apenas quatro países (Brasil, China, Congo e Rússia) e alertando que a China planeia controlar as suas exportações de terras raras, de que é, de longe, o maior produtor mundial [James Kanter, E.U. Faces Shortages of Key Minerals, «The New York Times», 16.06.2010]. O alarme faz sentido, não tanto pelas razões invocadas, mas porque, mais ponderosamente, as reservas geológicas mundiais são de facto escassas face ao actual ou ao projectado nível de consumo destes metais em sectores ditos de “alta tecnologia” ou de importância “estratégica”.
Nos países “desenvolvidos”, as nossas vidas estão preenchidas e dependentes de grandes e pequenas coisas em que estes muitos elementos químicos estão presentes. E muitas das “luminosas” promessas técnicas que ouvimos como cantos de sereia dependem, também elas, de disponibilidade de matérias-primas que arriscam não se confirmarem.

Rui Namorado Rosa

Universidade de Évora


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 190, série II
Outono 2010

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo